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    Igrejas evangélicas crescem em Cuba em meio a maior abertura política

    ANDREA RODRIGUEZ
    DA ASSOCIATED PRESS, EM HAVANA

    27/03/2017 17h00

    O governo de Fidel Castro sentenciou o reverendo Juan Francisco Naranjo a dois anos em um campo de trabalho nos anos 1960, por pregar o Evangelho em Cuba, onde o ateísmo era a lei e acreditar em Deus era motivo de suspeita. A igreja de Naranjo passou anos quase abandonada, e poucas pessoas ousavam comparecer aos cultos.

    Naranjo morreu em 2000, mas em um sábado recente a Igreja Batista William Carey estava lotada e barulhenta. Médicos do governo tratavam crianças deficientes em uma clínica no interior da igreja. Um grupo de estudo da Bíblia debatia as escrituras em um canto do edifício, e pouco depois um culto com a presença de 200 fiéis foi realizado.

    "Nos anos 1960 e 1970, os poucos irmãos e irmãs que vinham aqui tinham de encapar suas bíblias em papel pardo", disse a médica Esther Zulueta, 57. "A situação mudou como da noite para o dia".

    Os funcionários do governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmaram repetidamente que a liberdade religiosa é uma das demandas mais importantes que farão a Cuba, quando concluírem sua revisão do processo de abertura no relacionamento com a ilha promovido pelo presidente Barack Obama.

    O governo não mencionou nada de mais específico sobre a questão, mas grupos externos acusam Cuba de reprimir sistematicamente as crescentes fileiras dos evangélicos e outros protestantes com atos como a desapropriação de centenas de igrejas em toda a ilha, em alguns casos seguida pela demolição de suas sedes.

    Um estudo pela Associated Press revela um quadro mais complicado. Os pastores e os fiéis dizem que Cuba está passando por um florescimento no movimento evangélico, e que dezenas de milhares de cubanos participam de serviços religiosos na ilha a cada semana sem serem incomodados.

    Embora o governo agora reconheça a liberdade de religião, não reconhece o direito dos interessados a construir igrejas ou outras edificações religiosas. Algumas igrejas foram demolidas pelas autoridades nos últimos anos, mas suas congregações foram autorizadas a continuar realizando cultos em acomodações improvisadas.

    E como a Igreja Católica, a religião dominante na ilha, as igrejas evangélicas começaram a fornecer serviços sociais que antes eram monopólio do governo comunista.

    "As igrejas de diversas denominações renasceram no país, e todas elas estão crescendo, não só no número de fiéis mas em sua capacidade de liderar e de agir na sociedade", disse o pastor presbiteriano Joel Ortega Dopica, presidente do Conselho de Igrejas de Cuba, uma organização oficialmente reconhecida que abarca 32 denominações protestantes. "Existe liberdade religiosa em Cuba".

    O clero e acadêmicos dizem que entre os 11 milhões de cubanos existem cerca de 40 mil metodistas, 100 mil batistas e 120 mil membros das Assembleias de Deus, que tinham cerca de 10 mil membros no começo dos anos 1990, quando Cuba começou a relaxar as restrições à expressão pública de fé religiosa.

    O conselho de igrejas estima que existam 25 mil igrejas evangélicas e de outras orientações protestantes no país. Cerca de 60% da população cubana foi batizada como católica, e muitos outros moradores do país seguem tradições sincréticas afrocubanas como a Santería.

    Naranjo foi parte desse processo de abertura. Depois de cumprir sua sentença no campo de trabalho, ele retornou a uma igreja cujos fiéis eram proibidos de exercer muitos cargos públicos.

    O degelo começou em 1984, quando Jesse Jackson, ativista norte-americano dos direitos civis, espantou Cuba ao levar Fidel Castro a um culto em uma igreja protestante. Em 1990, Naranjo foi parte de um grupo de pastores que se reuniu com Castro para pressionar por maior liberdade religiosa, e sua igreja trabalhou para reforçar a ligação entre diversos grupos religiosos e o Partido Comunista.

    A abertura culminou com a visita a Cuba do Papa João Paulo 2º, em 1998, que conduziu a novas liberdades para os fiéis católicos e protestantes.

    Michel Gangne - 21.jan.98/AFP
    ORG XMIT: MVD056 (FILES) Pope John Paul II shakes hands with Cuban President Fidel Castro on January 21, 1998 after Castro gave his welcoming speech at Jose Marti International Airport in Havana. Pope Benedict XVI will visit Mexico on March 23, 2012 before going on to Cuba, where he will celebrate mass in the same square visited in 1998 by his charismatic predecessor, John Paul II. AFP PHOTO/Michel GANGNE
    Foto do encontro do papa João Paulo 2º com Fidel Castro em 1998

    A constituição cubana agora reconhece a liberdade de religião, mas a lei guarda silêncio sobre a questão da construção de igrejas. Em um sistema no qual o governo há muito monopoliza a vida pública, virtualmente todas as atividades são consideradas ilegais a não ser que a lei afirme o contrário.

    As autoridades de algumas áreas proibiram a construção de novas igrejas embora permitam a realização de serviços religiosos em edifícios construídos para isso antes da revolução cubana de 1959.

    O grupo ativista religioso Christian Solidarity Worldwide, sediado em Londres, divulgou um relatório no qual acusa o governo cubano de 2.380 violações da liberdade religiosa em 2016, na maioria dos casos por conta da declaração de ilegalidade quanto às atividades de duas mil igrejas das Assembleias de Deus.

    Há processos de desapropriação em curso contra 1.400 dessas igrejas. A organização informou que baseia suas afirmações em uma fonte dentro de Cuba cujo nome ela não pode revelar.

    Juan Whitaker, tesoureiro das Assembleias de Deus em Cuba, disse à Associated Press este mês que nenhuma das igrejas da seita havia sido declarada ilegal ou corria risco de desapropriação.

    David Ellis, diretor regional do Conselho Geral das Assembleias de Deus para missões internacionais na América Latina e Caribe, disse à Associated Press que "estamos em constante contato com a liderança das Assembleias de Deus em Cuba e elas não reportaram a desapropriação de qualquer igreja. Tampouco reportaram ameaças de desapropriação".

    Kiri Kankhwende, porta-voz da Christian Solidarity Worldwide, disse que a avaliação de sua organização não havia mudado e que qualquer declaração em contrário podia ser explicada pela pressão oficial sobre as igrejas de Cuba.

    A Christian Solidarity também mencionou o caso de Juan Carlos Nuñez, ministro do Movimento Apostólico na cidade de Las Tunas, no leste de Cuba, e outros defensores da liberdade de religião mencionaram o caso de Bernardo de Quesada, na cidade de Camaguey, no leste do país, como exemplos de perseguição religiosa.

    Os dois homens disseram á Associated Press que igrejas construídas nos terrenos de suas casas haviam sido demolidas pelo governo por terem sido construídas sem alvarás. Os dois continuam a liderar cultos em suas casas, nas quais centenas de fiéis se reúnem a cada semana.

    "Eles me toleram mas não me aceitam", disse Quesada. "Não vou fechar as portas ou partir. Temos paixão pelo que fazemos, e ninguém vai nos deter."

    Nuñez disse que foi sentenciado a um ano de prisão domiciliar depois que vizinhos se queixaram dos alto-falantes que ele instalou para ampliar o som dos cultos em sua casa. Ele atribui a culpa pela situação ao status indefinido das novas igrejas, sob a lei cubana.

    "Se existisse uma lei sobre as atividades das igrejas, nada disso aconteceria e tudo ficaria claro", ele disse.

    Mesmo assim, as igrejas estão trabalhando em projetos que no passado teriam sido proibidos, entre os quais esforços de prevenção da Aids, promoção da agricultura sustentável e energia renovável, distribuição de remédios, treinamento de trabalhadores rurais, e assistência a regiões afetadas por desastres naturais.

    "As autoridades cubanas compreenderam a necessidade de nossa presença e do diálogo com o governo, que continua embora nem sempre concordemos", disse a pastora Dorilin Tito, 38, da Igreja Batista William Carey.

    Traduzido por PAULO MIGLIACCI

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