• Mundo

    Friday, 26-Apr-2024 21:50:02 -03

    Governo Trump

    Trump emprega filha e volta a ser acusado de conflito de interesses

    ISABEL FLECK
    DE WASHINGTON

    29/03/2017 23h31

    Ivanka Trump, a filha do presidente que recentemente ganhou uma sala na Casa Branca junto à equipe de conselheiros políticos do pai e acesso a informações confidenciais, se tornará agora, oficialmente, uma funcionária do governo.

    O anúncio foi feito pela própria Ivanka, 35, nesta quarta (29), em meio a críticas sobre o obscuro papel que ela vinha desempenhando no governo desde que Donald Trump assumiu o poder.

    Mike Segar - 7.jun.2016/Reuters
    Donald Trump speaks as his son-in-law Jared Kushner (L) and his daughter Ivanka listen at a campaign event at the Trump National Golf Club Westchester in Briarcliff Manor, New York, U.S., June 7, 2016.
    Jared Kushner (à esq.) com sua mulher, Ivanka, durante comício de Donald Trump em junho de 2016

    A filha mais velha do presidente será agora "assistente especial" do pai, mas não receberá salário, como também ocorre com seu marido, Jared Kushner, que é conselheiro do sogro desde janeiro.

    Ivanka já vinha participando de encontros de Trump com líderes estrangeiros, como com a chanceler alemã, Angela Merkel, e com os primeiros-ministros Shinzo Abe (Japão) e Justin Trudeau (Canadá).

    Conflito de interesses

    A indefinição sobre o papel da empresária na Casa Branca era só um dos problemas do governo Trump que, para críticos, justificariam a cassação do presidente por conflito de interesses.

    "É uma relação sem precedentes na Casa Branca", diz James Nelson, ex-juiz da Suprema Corte do Estado de Montana e assessor legal da organização Free Speech for People, que lidera uma campanha com mais de 917 mil assinaturas para iniciar um processo de impeachment contra Trump.

    "Assim como Ivanka, outros dois filhos de Trump, Donald Jr. e Eric [que assumiram o controle da Organização Trump antes da posse] continuam tocando seus negócios enquanto se fazem presentes na Casa Branca. Eles acham que não há conflito de interesses", diz.

    Segundo o "New York Times", Ivanka passou o controle de sua marca de roupas e acessórios para sua principal diretora, Abigail Klem, mas continua tendo poder sobre a empresa.

    Donald Jr. e Eric têm menos penetração no governo que a irmã, mas são alvo de críticas pela proximidade que demonstram com congressistas em eventos oficiais e pelos altos gastos do governo com segurança para suas viagens de negócios.

    Com a decisão de se formalizar como assessora, Ivanka estará sujeita agora às mesmas regras que outros funcionários do governo —inclusive à legislação sobre crimes de conflito de interesses.

    Segundo sua advogada, Jamie Gorelick, Ivanka preencherá todos os formulários de declaração financeira exigidos de funcionários da Casa Branca.

    A grande questão agora é se a oficialização de Ivanka no cargo configura nepotismo sob a lei de 1967, que proíbe que um funcionário público, inclusive o presidente, contrate um familiar.

    Em 1977, Jimmy Carter foi impedido pelo Departamento de Justiça de indicar o filho para um cargo não remunerado na Casa Branca com base nessa lei.

    No caso de Kushner, o Departamento de Justiça concluiu que a indicação era legal, já que outra lei, de 1978, dá autoridade ao presidente para apontar os membros de sua equipe sem considerar restrições anteriores.

    INTERESSES ESTRANGEIROS

    Em pouco mais de dois meses de governo, vários episódios demonstraram a dificuldade de evitar conflitos de interesse com Trump no poder. Apesar de ter cedido o controle de sua empresa aos filhos, o presidente segue como proprietário da Organização Trump, que atua ou tem interesses em negócios em 25 países.

    Em fevereiro, por exemplo, o governo mexicano aprovou o registro de três marcas do grupo até 2026. No mês seguinte, foi a vez de a China dar sinal verde à venda de 38 produtos da marca Trump no país.

    O estatal Banco Industrial e Comercial da China ainda aluga salas que ocupam cerca de 10% do espaço de escritórios na Trump Tower, em Nova York. Em fevereiro, uma cobertura de US$ 15,8 milhões no prédio foi comprada por Xiao Yan Chen, fundadora de uma consultoria que "facilita relações" com o governo chinês.

    Os problemas não envolvem só governos estrangeiros. Um levantamento do "Washington Post" mostrou que, em 21 dos 66 primeiros dias de Trump no poder, ele visitou propriedades da sua empresa —como o clube de Mar-a-Lago, na Flórida, campos de golfe e seu hotel em Washington.

    Para críticos, a movimentação, que sempre envolve cobertura de imprensa, serve de publicidade para a Organização Trump.

    "Esses múltiplos incidentes mostram um desrespeito da lei pela equipe da Casa Branca e uma fraca consultoria legal sobre questões éticas", diz Richard Painter, que serviu como advogado do presidente George W. Bush (2001-2009) sobre o tema.

    Para Nelson, qualquer um dos incidentes envolvendo outros governos seria motivo para pedir a saída de Trump, já que a Constituição americana determina que o presidente não pode, sem o consentimento do Congresso, "aceitar nenhum presente ou vantagem" de nenhum governo estrangeiro.

    Ele, contudo, diz duvidar que o Congresso, de maioria republicana, esteja disposto a levar adiante um pedido de impeachment. Nos Estados Unidos, o processo só pode ser iniciado com o pedido de um deputado.

    O restante do processo é semelhante ao do Brasil: a Câmara deve aprovar, por maioria simples (no Brasil são necessários dois terços dos deputados) a abertura do processo, que será julgado no Senado. A destituição do presidente exige o voto de dois terços dos senadores.

    "Se fosse um presidente democrata, com o mesmo comportamento, talvez o processo já estivesse em andamento", afirma Nelson.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024