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    entrevista da 2ª

    Eleição marca fragilidade do sistema político francês, diz Cohn-Bendit

    MATHIAS ALENCASTRO
    COLUNISTA DA FOLHA

    01/05/2017 02h01

    Colapso dos principais partidos políticos, emergência de novos movimentos e renovação profunda do Parlamento. A soma disso tudo resultará em uma explosão do sistema político francês, afirma Daniel Cohn-Bendit.

    Ex-deputado europeu (1994-2014), Cohn-Bendit é uma referência da esquerda europeia desde 1968, quando despontou como um dos líderes do movimento social e cultural que sacudiu a França e o mundo.

    Em entrevista à Folha, ele afirma que a vitória no segundo turno de Emmanuel Macron é inevitável, que a sua candidatura é o contrário da antipolítica, e que a esquerda brasileira tem muito a aprender com a crise da social-democracia europeia.

    Centrista independente, Macron disputa pelo movimento En Marche! o segundo turno da eleição francesa contra a candidata da Frente Nacional, Marine Le Pen, representante da direita ultranacionalista.
    Pesquisas eleitorais o colocam à frente, com 60% das intenções de voto. A votação ocorre no domingo (7).

    Os dois divergem em relação à União Europeia. Ele defende mais integração, enquanto ela quer um plebiscito para deixar o bloco, a exemplo do Reino Unido.

    Os dois chegaram à reta final da campanha após um primeiro turno acirrado, em que apareciam com chances de avançar também o conservador François Fillon e Jean-Luc Mélenchon, o postulante mais à esquerda.

    Pela primeira vez na história moderna da França, os dois principais partidos –o Socialista, de François Hollande, e o Republicanos, de centro-direita–, ficaram de fora do segundo turno.

    Daniel Marenco/Folhapress
    Político francês Daniel Marc Cohn-Bendit foi líder estudantil protagonista da massiva movimentação popular em maio de 1968
    Político francês Daniel Marc Cohn-Bendit foi líder estudantil protagonista da massiva movimentação popular em maio de 1968

    Folha - Existe alguma chance de Marine Le Pen criar a surpresa no segundo turno?
    Daniel Cohn-Bendit - Não. A questão é qual será a intensidade da vitória de Emmanuel Macron. Será diferente se ele vencer com 65% ou 55% dos votos. Isso determinará a relação de forças nas eleições legislativas [marcadas para 11 e 18 de junho].

    Estamos então diante de uma eleição presidencial de quatro turnos no país?
    Sim, dois turnos de eleições presidenciais e dois turnos de legislativas. Não estamos perante o cenário clássico, em que o eleitorado legitimista dá ao presidente eleito uma maioria no Parlamento. A história destas presidenciais só poderá começar a ser contada depois do segundo turno das legislativas.

    Tradicionalmente, quando dois candidatos de centro direita e esquerda enfrentam um candidato de extrema direita no segundo turno das legislativas, o candidato que estiver atrás nas sondagens desiste para ajudar a barrar a extrema direita [nas eleições para deputados, o segundo turno é garantido. Todos os candidatos com mais de 12,5% dos votos se qualificam automaticamente. Se nenhum atingir essa marca, os dois primeiros colocados se apresentam no segundo turno].

    Será que esse mecanismo de defesa republicano vai continuar a vigorar neste novo contexto? Os candidatos dos movimentos En Marche! e França Insubmissa [à esquerda] vão desistir em caso de triangular com a Frente Nacional?
    Não sabemos. Um agravante seria a multiplicação de quadrangulares, ou seja a qualificação de quatro candidatos para o segundo turno. Isso teria consequências imprevisíveis. Se uma eleição para presidente com quatro favoritos foi complicada, imagine 577 eleições de deputados com quatro finalistas.

    Emmanuel Macron é um candidato antipolítico?
    Emmanuel Macron é o contrário do candidato antipolítico. Ele oferece uma nova concepção de fazer política. Algo novo e muito frágil, porque os cidadãos ainda não se reconhecem totalmente na sua forma de ler a realidade. Mas de modo algum ele pretende questionar as bases da nossa democracia.

    Então ele é um candidato político de direita ou esquerda?
    Macron é de centro esquerda. Mas ele pretende acabar com o maniqueísmo direita-esquerda e, por isso, agrega posições de todos os campos políticos. Políticas econômicas associadas ao campo de direita e políticas sociais do campo de esquerda. A aposta dele é romper com todas as categorias tradicionais.

    Isso quer dizer que a divisão entre direita e esquerda está obsoleta?
    É difícil responder. No social, é possível definir o que é ser de direita e de esquerda. Esquematicamente, a direita defende mais individualismo, e a esquerda, mais solidariedade. Em outros temas, não é assim tão evidente.

    Na Europa, você tem um nacionalismo de esquerda, e outro de direita. Nos direitos humanos, você pode ser de esquerda como o Jean-Luc Mélenchon, e ao mesmo tempo defender o presidente Nicolás Maduro, da Venezuela.

    Você é de esquerda quando defende Maduro? Quando Mélenchon e Marine Le Pen se apresentam como pró-Vladimir Putin [presidente russo] e Bashar al-Assad [ditador sírio], onde está a esquerda e onde está a direita?

    O primeiro turno das eleições presidenciais francesas vai entrar na historia como o começo do fim da social-democracia na Europa?
    Em relação à Europa eu acho exagerado, porque estamos diante de uma situação muito francesa. Certo é que o primeiro turno marca o começo do fim da Quinta Republica [fundada por Charles de Gaulle em 1958], porque os dois partidos que estruturaram a vida política foram eliminados no primeiro turno.

    Não se trata apenas do fracasso do Partido Socialista e da social-democracia, também estamos vendo o colapso da direita parlamentar. Os tapas na mesa de Jean-Luc Mélenchon, Marine Le Pen e Emmanuel Macron fragilizaram totalmente o sistema politico.

    Podemos falar de uma mudança no papel dos partidos políticos? Eles continuarão a ser o principal instrumento de mobilização?
    Embora de orientações diferentes, duas formações "movimentistas", os Insubmissos, de Jean-Luc Mélenchon, e o En Marche!, de Emmanuel Macron, dinamitaram a paisagem política. Resta saber se essa tendência se confirmará nas eleições legislativas.

    Não fazemos a menor ideia se os eleitores regressarão aos espaços políticos tradicionais ou optarão por continuar sacudindo o espaço político e apoiando os novos movimentos. Essa é uma incógnita que não temos como antecipar. Os nossos instrumentos de análise política são inúteis no cenário atual.

    Quais são as lições que o Partido dos Trabalhadores pode tirar do colapso do Partido Socialista na França?
    O problema do Partido dos Trabalhadores, e da social-democracia em geral, é que, uma vez no poder, acredita que tudo lhe pertence, que pode fazer tudo. De certa forma, a esquerda no poder contribui para uma despolitização da sociedade.

    A lição do governo François Hollande é que não se pode prometer tudo numa campanha. A campanha é a explicação pedagógica do possível e do impossível, senão é a desilusão garantida.

    Hollande teve uma maioria que nenhum presidente teve. Teve a maioria no Congresso, no Senado, e nas regiões. Porque não funcionou? Porque não havia consenso político, não só programático, mas também sobre a necessidade de inovar em situações que ninguém podia antecipar. Nesses casos, a esquerda preferiu se esconder atrás da ideologia e negar a realidade.

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