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    França terá tensão política e social com Macron, diz ideólogo da 'nova direita'

    RODRIGO VIZEU
    ENVIADO ESPECIAL A PARIS

    09/05/2017 02h00

    O equilíbrio entre medidas liberais de direita e sociais de esquerda do programa de Emmanuel Macron não é factível, e a França deve esperar nos próximos anos tensão política e social, "com possíveis violências".

    A previsão é do filósofo e escritor Alain de Benoist, 73, expoente da "nova direita", corrente do pensamento francês nascida nos anos 1960.

    Monier/Rue des Archives/Latinstock
    Alain de Benoist en octobre 2006 Foto: Monier/Rue des Archives/Latinstock ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Alain de Benoist, ideólogo da "nova direita" francesa

    Referência intelectual da ultradireita nacionalista francesa e de parte dos dirigentes da Frente Nacional, de Marine Le Pen, Benoist diz que a votação recorde de 34% da candidata posiciona a FN como principal força opositora.

    Dono da mesma visão de mundo antiliberal da FN, ele reclama que o establishment francês ainda se incomode com sua participação no debate público pelo fato de ele ter defendido na juventude a OAS (Organização do Exército Secreto), grupo terrorista que se opôs à descolonização da Argélia e defendia o apartheid na África do Sul.

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    Folha - O que esperar de Emmanuel Macron?
    Alain de Benoist - Os setores empresariais que o apoiam esperam que ele coloque em prática reformas de orientação liberal. Uma vez que a maioria dos que votaram em Macron não o fez por simpatia a ele, mas só para barrar Marine Le Pen, a questão é saber se ele terá sucesso nisso.

    O novo presidente promete equilibrar liberalismo com atenção à área social.
    Não acredito que tal equilíbrio seja possível. Onde foram colocadas em prática reformas liberais e políticas de austeridade, as classes populares e médias foram as primeiras a sofrer. A globalização só acentua essa lógica. Mas é claro que, em uma campanha eleitoral, é preciso colocar, entre aspas, ênfase no social.

    Como esse mal-estar francês que o sr. descreve vai se manifestar nos próximos anos?
    Eu não leio o futuro, a história é aberta. Quem poderia prever há um ano a decisão de [François] Hollande de não tentar a reeleição, a eliminação de [Alain] Juppé e [Nicolas] Sarkozy [na primária republicana], depois de [François] Fillon, o naufrágio do Partido Socialista, o crescimento de [Jean-Luc] Mélenchon e a eleição de Macron? Dito isso, penso que podemos esperar uma situação social e política bastante tensa, com possíveis violências.

    Mesmo derrotada, Le Pen bateu o recorde de votos da Frente Nacional e fala em transformar seu partido. Qual deve ser o futuro do grupo?
    Os resultados da FN não param de aumentar, não em razão dos méritos do partido, mas da cólera popular e da gigantesca onda de desconfiança que atinge a classe política dominante. Depois desta eleição, a FN está bem posicionada para se colocar como força de oposição principal. No entanto, seus integrantes ainda não são de grande qualidade, e seu programa é contraditório. Além disso, o desempenho catastrófico de Le Pen no debate do segundo turno mostrou os limites dela.

    Alguns analistas dizem que Le Pen e a FN nunca alcançarão maioria sem atenuar seu discurso, sobretudo quanto à imigração. O sr. concorda?
    Não. A FN já modificou bastante seu discurso sobre a imigração. Seu interesse não é de parecer um partido como os outros.

    O passado de declarações racistas de Jean-Marie Le Pen, presidente de honra da FN, não será sempre um fardo pesado demais para sua filha?
    Isso pertence ao passado e não atinge mais muita gente. Marine Le Pen claramente rompeu com seu pai sobre todos esses temas. Os que apelam a esses argumentos repetem mantras que só falam a convertidos. Os franceses estão pensando no desemprego, no poder de compra que se deteriora, na dissolução dos laços sociais, no empobrecimento das classes médias, no futuro de seus filhos, não em homofobia e no regime de Vichy [governo francês que colaborou com os nazistas durante a ocupação alemã na 2ª Guerra Mundial, já defendido por Jean-Marie].

    Kenzo Tribouillard - 1º.mai.2015/AFP
    O fundador da Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen, e sua filha, Marine, em comício do partido em 2015
    O fundador da Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen, e sua filha, Marine, em comício do partido em 2015

    A grande imprensa francesa critica que a FN e a ultradireita sejam por vezes "normalizadas" no debate público. Na semana passada, o jornal "Le Monde" citou como exemplo disso a palestra que o sr. deu a estudantes da SciencesPo, tendo em vista, por exemplo, seu passado de defensor da OAS e do apartheid. Como responde a isso?
    A reportagem que o sr. citou é de uma notável estupidez. Cita algumas linhas que eu escrevi quando tinha 16, 17 anos. Tenho hoje 73, publiquei mais de cem livros. Não se achará nada que permita me qualificar como escritor de extrema direita, não gosto da direita e detesto o extremismo. Nunca votei na FN. Aqueles que denunciam a normalização ou a banalização da FN são os primeiros responsáveis por isso. São eles que se desconectaram do povo de esquerda; os antigos eleitores do Partido Comunista e operários votam agora na FN. São eles que se aliaram à sociedade de mercado e são hoje uma oligarquia hostil ao povo, que a detesta. Eles deveriam fazer sua própria autocrítica.

    *

    RAIO X

    Quem é
    Alain de Benoist, 73, filósofo e escritor

    Formação
    Direito constitucional e ciências humanas.

    Trajetória
    Atuou em diversas publicações, como a revista de debates "Krisis". Na juventude, defendeu a OAS, grupo terrorista contrário à descolonização da Argélia

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