Depois da revelação de que o ex-diretor do FBI James Comey escreveu um memorando informando que o presidente Donald Trump lhe pediu para encerrar uma investigação sobre o ex-conselheiro de Segurança Nacional Michael Flynn, alguns parlamentares estão acusando o presidente de obstrução de Justiça.

Os democratas no Congresso já temiam que, ao demitir Comey na semana passada, Trump estivesse tentando sufocar a investigação sobre uma possível coordenação entre sua campanha e a interferência eleitoral cometida pela Rússia.

	Chip Somodevilla/Getty Images/AFP
	O presidente Donald Trump, que teria pedido ao ex-diretor do FBI para encerrar investigação

O fato mais recente a vir à tona aumentou a indignação deles, levando a novos chamados pela nomeação de um promotor especial. O senador democrata Richard Blumenthal, do Connecticut, disse em comunicado que "estamos assistindo a uma obstrução de Justiça acontecendo em tempo real".

Mas a obstrução de Justiça é uma questão complexa, criminal e politicamente falando. Para especialistas, pode ser difícil provar que o presidente cometeu o crime. Eles se dividem, porém, quando indagados se o caso pode justificar um pedido de impeachment.

A seguir, algumas perguntas e respostas sobre obstrução de Justiça.

1) O que é a obstrução de Justiça?

Falando em termos simples, obstruir a Justiça é impedir as autoridades (como a polícia ou promotores) de cumprirem o trabalho de investigar e aplicar a lei.

O que Trump é acusado de fazer?

Comey escreveu que, em uma reunião no Salão Oval em fevereiro, Trump lhe pediu para encerrar a investigação sobre Flynn.

Comey, que sabidamente costumava fazer anotações escritas sobre reuniões delicadas, registrou o pedido do presidente em um memorando redigido pouco após a conversa com Trump, segundo um colega do ex-chefe do FBI que reviu o documento e exigiu anonimato para falar com a agência Associated Press.

Flynn acabava de ser forçado a renunciar a seu cargo depois de mentir sobre a natureza de seus contatos com o embaixador russo.

A Casa Branca contestou o relato sobre o memorando escrito por Comey.

	Joshua Roberts/Reuters
	James Comey antes de ser demitido, em audiência sobre a suposta interferência russa na eleição

2) Tal pedido constitui uma obstrução de Justiça?

Em termos criminais, a obstrução de Justiça se aplica em diversas situações, como ameaçar um jurado, retaliar contra uma testemunha ou criar obstáculos aos procedimentos de um grande júri, e o pedido que Trump teria feito não se enquadra perfeitamente em nenhuma delas, disseram especialistas jurídicos.

"Ninguém redigiria um estatuto federal com essa situação em mente, porque é uma situação tão fora do comum", disse Jens David Ohlin, reitor da Escola de Direito da Universidade Cornell.

Sob o estatuto da obstrução, interferir em uma investigação federal pode ser qualificado como obstruir um procedimento judicial. Mas, para poder fazer uma acusação criminal por obstrução, um promotor teria que demonstrar que o presidente tentou influenciar a investigação "de modo corrupto", e pode ser difícil comprovar uma intenção imprópria.

Para o professor de direito Jonathan Turley, da Universidade George Washington, Trump teria alguns argumentos para apresentar em sua defesa.

"O presidente pode alegar que fez o pedido por preocupação com alguém que foi seu associado de longa data", disse Turley. "Isso não significa que o pedido não tenha sido loucamente impróprio e, francamente, beiraria a idiotice."

3) Os registros do ex-diretor do FBI são evidências?

Os memorandos de Comey seriam peças importantes em qualquer investigação de obstrução de Justiça.

"O que temos é uma documentação contemporânea da recordação de Comey do que o presidente teria dito", explicou Bob Bauer, advogado da Casa Branca na administração Obama. "É evidente que é uma prova muito poderosa."

Mas, segundo o ex-promotor Jonathan Lopez, na ausência de gravações da conversa, um memorando escrito ainda é um caso de "fulano disse, sicrano disse".

Mesmo assim, também há uma testemunha: Comey.

"Ele está presente, e a melhor maneira de provar o que aconteceu naquela conversa com o presidente seria convocá-lo como testemunha", disse Barbara McQuade, ex-promotora pública do Michigan.

4) Há outras ações possíveis?

Mesmo que tal pedido não levasse a uma condenação criminal, reforçaria os argumentos em favor do impeachment por obstrução de Justiça.

"Há um padrão todo visível aqui, envolvendo a demissão de Comey e a instrução dada a ele de arquivar a investigação contra Flynn. Tudo isso foi feito porque ele queria impedir uma investigação de chegar aos mais altos escalões da administração e, possivelmente, a ele pessoalmente", disse Ohlin. "Esse é o tipo de manobra política em proveito próprio que é intolerável."

Para Turley, porém, talvez não seja o bastante.

"O que temos é um memorando de um presidente fazendo perguntas altamente inapropriadas a um diretor do FBI", ele disse. "Seria muito pouco, mesmo para um processo de impeachment."