Dominique Wolton, 70, é um dos especialistas franceses mais renomados em ciências da comunicação. Ele defende uma concepção da comunicação que privilegia o homem e a democracia, ao invés da técnica e da economia.
De passagem pelo Brasil para uma aula magna na Faculdade Cásper Líbero, o autor de "Pensar a Comunicação" (UnB, 2004) e "Internet - E Depois?" (Editora Sulina, 2009) falou à Folha sobre o papel das redes sociais na política.
Adriano Vizoni/Folhapress | ||
O cientista da comunicação Dominique Wolton durante entrevista no teatro Gazeta, em São Paulo |
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Folha - Em que medida a chegada ao poder de Emmanuel Macron representa renovação profunda da política francesa?
Dominique Wolton - A chegada ao poder de Emmanuel Macron só foi possível devido ao colapso eleitoral da centro-esquerda e da centro-direita. Sem esse desdobramento, a visão centrista dele não conquistaria apoio. A vitória de Macron não significa o fim da polarização direita-esquerda, mas a ultrapassagem momentânea do bloqueio político.
Portadora de uma mensagem de inovação, renovação e juventude, a chegada ao poder de Macron é, antes de tudo, uma lição de otimismo.
A grandeza da política é que as cartas são sempre redistribuídas. E a chegada de Macron redistribui as cartas. Isso vai fazer bem à direita e à esquerda.
Macron ainda é um enigma, apesar de ser muito popular. Como ele difere dos presidentes franceses anteriores?
A França adora dar lições de democracia para o mundo, mas continua sendo um país muito monárquico, elitista. Macron dá a impressão de querer mudar isso, mas ao mesmo tempo oferece garantias de continuidade.
O seu grande ativo é pertencer à elite e ao mesmo tempo dar a impressão de não pertencer a ela. Assim, ele consegue canalizar o sentimento popular de rejeição das elites sem perder o apoio da elite.
Ele mostrou ter inteligência para chegar ao poder. Ele antecipou os acontecimentos, viu as brechas, soube aproveitar as falhas dos outros. Mas isso não significa que ele tem inteligência para governar. São duas inteligências diferentes.
Depois da "hiperpresidência" de Nicolás Sarkozy, da "presidência normal" de François Hollande, a "presidência jupiteriana" de Macron pode ser bem sucedida?
Macron rejeita a ilusão da democracia direta criada pelas mídias, sondagens e redes sociais na qual Sarkozy apostou para imprimir um novo estilo de fazer política, que fracassou. Ele também rejeita o modelo dos países escandinavos, onde você pode cruzar um ministro fazendo compras no supermercado, seguido por Hollande.
A França gosta da democracia, mas também gosta dos símbolos e da hierarquia. Macron recorre aos símbolos para sinalizar à população que a ação presidencial não será orientada por consultores, assessores. Comunicar menos, na sua perspetiva, é comunicar mais.
No Brasil, as jornadas de junho de 2013 são muitas vezes comparadas à Primavera Árabe por causa do papel das redes sociais. O sr. acha que as redes sociais estão por trás da vaga de protestos que caracterizou o começo da década?
Não são os instrumentos de comunicação que fazem a revolta, isso é um contrassenso.
Uma vez que a mecânica da revolta surge, os meios tecnológicos acompanham e desempenham um papel. O mistério e a grandeza da Primavera Árabe é que as revoltas explodiram por razões que desconhecemos. Os telefones foram usados como meios de transmissão de informações, da mesma forma que a televisão e o rádio em outros momentos históricos. Não podemos dar demasiada importância à técnica. A política é muito mais complicada do que a comunicação.
As redes sociais são um instrumento de democratização?
Nas democracias, as redes sociais são uma extensão da lógica de expressão, o que, na teoria, é positivo. Mas se todo mundo se exprime, quem escuta o outro? Na prática, as redes sociais são o "low cost" da democracia, porque resume a ação política ao problema da expressão, quando o grande desafio é conhecer e agir.
Para melhorar a democracia, cada um deve ficar no seu lugar e fazer o seu trabalho. Os políticos devem parar de interagir diariamente com o eleitorado, os jornalistas devem parar de seguir o dia a dia dos políticos e se dedicar ao trabalho de investigação, e a opinião pública deve parar de pensar que ela é o coração revolucionário da sociedade.
Eu sou da opinião de que há mais inconvenientes do que vantagens das redes sociais na política. É uma perversão total achar que a ausência de atores intermediários melhora a política. Não há política sem atores intermediários.
A crise política no Brasil marcou o fim da era dos grandes marqueteiros, e as campanhas recorrem cada vez mais às redes sociais. A internet parece destinada a substituir o porta a porta, os panfletos, os palanques. As eleições podem ser vencidas somente através das redes sociais?
Essa tendência, que ganhou corpo durante a campanha de Barack Obama [nos Estados Unidos] em 2008, é enganosa. Obama não tinha estratégia para as redes sociais, ele apenas utilizou as redes sociais para mobilizar a sua estrutura tradicional.
Os pilares das campanhas modernas —sondagens, grupos focais e redes sociais— levam a um impasse. A força de uma campanha é medida pelo tempo passado na estrada, tocando, conversando, interagindo com as pessoas.
A tragédia de um telefone é que ele dá ao seu utilizador um sentimento de potência e controle: poder ouvir tudo, saber tudo, aceder a tudo. Isso leva o utilizador a subestimar a importância da experiência humana.
No mais, as redes sociais ampliam o presente e esmagam o futuro. Elas impedem o debate sobre as questões verdadeiramente fundamentais. O papel dos partidos, dos "think tanks", dos sindicatos, torna-se por isso ainda mais relevante na era das redes sociais. São as únicas organizações que conseguem pensar os próximos 20 anos na política. Enquanto as redes sociais criam a ilusão de um tempo que para no presente, o que nos leva a confundir expressão com ação.
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RAIO-X
Nascimento: 26.abr.1947 em Duala (Camarões)
Formação: Bacharel em direito e doutor em sociologia pelo Institut d'Études Politiques de Paris
Trajetória: Desde 1980, foi diretor de diversos programas de pesquisa em política e comunicação do CNRS (Centro Nacional de Pesquisas Científicas, na sigla em francês); é autor de mais de 30 livros, entre eles "Pensar a Comunicação" (2004) e "Internet - E Depois?" (2009)