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    Um ano após Erdogan sufocar golpe de Estado, Turquia beira autocracia

    DANIEL AVELAR
    DE SÃO PAULO

    15/07/2017 02h00

    Quando, na noite de 15 de julho de 2016, tanques ocuparam as ruas e caças davam rasantes nos céus da Turquia, o mundo voltou sua atenção para acompanhar o que se desenrolaria a seguir. Um ano depois, o golpe foi sufocado, mas o país ainda está sob estado de emergência.

    No primeiro momento, houve apreensão e incerteza. Uns pensavam que o Exército turco agia para evitar um novo ataque terrorista, como as explosões que haviam deixado 42 mortos no aeroporto internacional de Istambul menos de um mês antes.

    Ozan Kose/AFP
    Cartaz alude ao golpe frustrado como "A Lenda do 15 de Julho"; governo mantém estado de emergência
    Cartaz alude ao golpe frustrado como "A Lenda do 15 de Julho"; governo mantém estado de emergência

    Veio, então, a confirmação. Em mensagem veiculada na TV estatal, uma facção das Forças Armadas anunciou se tratar de uma iniciativa "para proteger a ordem democrática", que estaria sendo ameaçada pelo governo de Recep Tayyip Erdogan.

    Os militares rebeldes mantiveram como refém o comandante do Exército, bombardearam o Parlamento e o palácio presidencial em Ancara e atiraram contra civis.

    Conclamados pelo presidente Erdogan, milhares foram às ruas para resistir à tentativa de golpe, a quinta e mais sangrenta da história recente da Turquia.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Os enfrentamentos deixaram 250 mortos e mais de 2.000 feridos. Na manhã seguinte, os golpistas se renderam, e Erdogan, que está no poder desde 2003 pelo Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP, de orientação islamita e conservadora), anunciou a retomada do controle.

    "Foi uma campanha terrorista para derrubar o governo democraticamente eleito", afirma Serkan Gedik, cônsul-geral da Turquia no Brasil. "Todos se uniram contra o golpe. Não se tratava de defender um governante, mas a própria democracia."

    Segundo o governo, a tentativa de golpe foi orquestrada por seguidores do clérigo Fetullah Gülen, ex-aliado de Erdogan que atualmente vive exilado nos EUA. Ele nega ter envolvimento com a ação.

    Sob a justificativa de combater os golpistas "de forma rápida e efetiva", Erdogan estabeleceu um estado de emergência. A medida dá ao presidente o poder de governar por decreto, à revelia do Parlamento, e restringe liberdades individuais.

    Desde então, 55 mil pessoas foram presas, inclusive líderes de partidos da oposição, e mais de 140 mil funcionários públicos foram exonerados, dentre os quais 10 mil militares, 8.500 professores e 4.400 juízes e promotores. Em um único decreto emitido nesta sexta (14), 7.300 servidores foram demitidos.

    As autoridades também fecharam o cerco contra a imprensa, encerrando 149 veículos de comunicação e prendendo 269 jornalistas.

    MAIOR CONTROLE

    Erdogan, desde então, procurou expandir seu controle no país impulsionando mudanças constitucionais para ampliar os poderes presidenciais. O projeto foi aprovado por margem apertada em plebiscito em 16 de abril.

    Para observadores do Conselho da Europa, a consulta não atingiu os padrões necessários para garantir o processo democrático.

    O estado de emergência, que tinha duração inicial de 90 dias, foi renovado sucessivas vezes e, a depender do governo, deve seguir em vigor por tempo indefinido.

    "Não pode haver questionamentos sobre suspender o estado de emergência com tudo o que está acontecendo", afirmou Erdogan na quarta (12). "Ele vai acabar quando essas questões forem completamente resolvidas."

    Para Gedik, as medidas tomadas pelo governo turco após a tentativa de golpe são "legítimas e proporcionais".

    Mas, para a Anistia Internacional, o governo turco tem violado leis internacionais de direitos humanos e restringido a liberdade de expressão.

    Em junho, o diretor da ONG no país, Taner Kiliç, foi preso sob a acusação de integrar o movimento de Gülen.

    Eyyup Doru, representante na Europa do Partido Democrático dos Povos (HDP, de esquerda), diz que as ações promovidas pelo governo turco no último ano representam um "contragolpe".

    Os diretores da legenda estão presos desde novembro.

    "O que tem acontecido é a consolidação de uma ditadura que não é de partido único, é de uma só pessoa", diz. "Para nós, o golpe continua."

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