• Mundo

    Thursday, 02-May-2024 20:23:02 -03

    Emigração será contida se melhorarem condições na África, diz Graça Machel

    PATRÍCIA CAMPOS MELLO
    DE SÃO PAULO

    04/09/2017 02h00 - Atualizado às 15h43

    Na semana passada, líderes europeus se reuniram mais uma vez para tentar estancar o fluxo de refugiados vindos da África. Só neste ano, mais de 120 mil africanos chegaram na Europa usando a rota da Líbia, onde morreram 2.410 migrantes.

    E, mais uma vez, os europeus propuseram maior segurança nas fronteiras dos países africanos e recursos para a Guarda Costeira líbia.

    Adriano Vizoni/Folhapress
    A ativista moçambicana Graça Machel, viúva de Samora Machel e Nelson Mandela, em São Paulo
    A ativista moçambicana Graça Machel, viúva de Samora Machel e Nelson Mandela, em São Paulo

    Para a moçambicana Graça Machel, 71, ativista que trabalha com a defesa dos direitos humanos no continente há décadas, o foco está errado. A solução para o problema precisa partir dos países africanos, não dos europeus.

    "Deveríamos criar condições para que as pessoas não tivessem tanta necessidade de sair de seus países de origem. Para isso, os países africanos precisam desenvolver agendas próprias e quem quiser trabalhar conosco, será guiado pelas prioridades definidas por nós, de maneira que não sejam os países europeus a dizer que querem fazer isto ou aquilo."

    Machel foi ministra da Educação e Cultura no governo moçambicano por 14 anos, é viúva do ex-presidente moçambicano Samora Machel e do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela.

    Ela está no Brasil a convite do Fronteiras do Pensamento Salvador, onde apresentará uma conferência sobre migrações e conflitos na África na próxima quarta (6).

    Em São Paulo, ministrará palestra realizada pelo Fronteiras do Pensamento em parceria com o Centro Ruth Cardoso nesta segunda (4).

    "Naturalmente os países europeus têm de contribuir, mas os países africanos têm que assumir a responsabilidade, tudo o que os outros puderem fazer é uma contribuição a uma solução que tem de ser genuinamente interna."

    Machel lutou clandestinamente com a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) durante a guerra da independência do país. Em 1976, casou-se com Samora Machel e se tornou a primeira-dama do país.

    Após a morte do marido em um acidente de avião, em 1986, ela manteve a atividade política e, em 1990, foi nomeada pela ONU para coordenar um estudo sobre o impacto dos conflitos armados na infância. Em 1998, casou-se com Nelson Mandela. Pelos seus dois casamentos, tornou-se a única pessoa no mundo a ser primeira-dama de mais de uma nação.

    Machel lamenta que o Brasil tenha abandonado sua política externa assertiva na África, desde o governo Dilma. "Posso dizer sem hesitar que a abertura para a África é um dos legados da administração Lula; hoje, a presença do Brasil no continente é muito menor, para ser honesta."

    A China, que sofre muitas críticas por supostamente ter uma postura neocolonialista na África e é grande investidora em Moçambique, recebe elogios de Machel.

    "Temos algumas reservas pela forma como a China está a penetrar o continente africano, mas há um elemento positivo: em Moçambique, Moçambique que diz à China se quer construir linha férrea, ou aeroportos, centros de saúde ou escolas. Não estou a dizer que a situação com a China é perfeita, mas é fato que os programas de desenvolvimento são ditados por países africanos. "

    MULHERES

    Machel vive entre África do Sul e Moçambique. Ela fundou a Graça Machel Trust, uma organização que tem como objetivo auxiliar mulheres empreendedoras no continente africano.

    Nesta viagem ao Brasil, não se encontrará com nenhum representante do governo. "Sou uma ativista social, sinto-me melhor no relacionamento com pessoas e instituições que representam pessoas alinhadas com aquilo que eu estou a fazer."

    Da última vez que esteve no país, reuniu-se com a então presidente Dilma Rousseff. "Havia uma aproximação que não era necessariamente de governo, era de pessoa, de opções e valores que comungamos."

    Uma das principais bandeiras de Machel é a luta pelos direitos das mulheres e das crianças. Segundo ela, as relações de gênero não são um desafio apenas da África, são um desafio global.

    "Esse problema precisa ser visto como um desafio da raça humana. Temos de nos perguntar o que está a acontecer, por que há um recrudescimento de uma relação de agressividade, e os homens se julgam no direito de matar mulheres."

    Sua própria filha, Josina Machel, foi vítima de violência doméstica. Em outubro de 2015, ela levou tantos socos do namorado que perdeu a visão do olho direito. No começo de 2017, ele foi condenado. "Para a minha filha, é a bandeira da vida dela, porque ela nunca mais vai ser a mesma pessoa. Nunca mais", disse Graça Machel.

    "Mas em relação a condenações de violência contra mulher, ainda é muito pouco. O que está ocorrendo hoje está muito longe de corresponder à magnitude do problema, da capacidade das instituições de responder, e mais ainda vontade das pessoas que representam instituições de olhar para a questão de violência contra as mulheres como uma causa que tem de ser atendida. Às vezes, as instituições respondem melhor a uma ocorrência de roubo do que a uma de violência doméstica. É uma atitude que tem de mudar."

    *

    TERRITÓRIO AFRICANO: CONFLITOS E MIGRAÇÕES
    ONDE Centro Ruth Cardoso (rua Pamplona, 1007, Jardim Paulista)
    QUANDO segunda (4), às 19h
    QUANTO Grátis

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024