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    Análise

    Teste nuclear pressiona China e enfraquece presidente Xi Jinping

    JANE PERLEZ
    DO "NEW YORK TIMES", EM PEQUIM

    04/09/2017 12h18

    REUTERS
    Chinese President Xi Jinping speaks during the opening ceremony of the BRICS Business Forum at the Xiamen International Conference and Exhibition Center in Xiamen, China September 3, 2017. REUTERS/Mark Schiefelbein/Pool
    Xi Jinping discursa na cerimônia de abertura do Fórum de Negócios do BRICS no último domingo (3)

    Xi Jinping deveria estar desfrutando de um momento de prestígio mundial, já que o presidente da China estava se preparando para receber os líderes de algumas das economias mais dinâmicas do planeta em uma conferência de cúpula, apenas algumas semanas antes de uma conferência de liderança do Partido Comunista chinês.

    Mas horas antes do discurso que Xi faria na conferência cuidadosamente planejada, domingo, o líder norte-coreano Kim Jong Un detonou sua sexta bomba nuclear.

    Kim vem escolhendo com extrema precisão o momento de seus testes nucleares e lançamentos de mísseis, aparentemente com o objetivo de criar o máximo embaraço possível para a China. E a reunião dos líderes do grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), domingo no sudeste da China, foi imediatamente eclipsada pelas notícias sobre o teste, que causou tremores em habitações chinesas e redespertou o medo de contaminação nuclear na região nordeste do país.

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    Essa não é a primeira vez que Kim escolhe um momento provocativo para ostentar as armas de seu país. Em maio, ele lançou um míssil balístico horas antes do discurso de Xi em uma conferência de líderes mundiais em Pequim para discutir o projeto Uma Estrada, Um Cinturão, de US$ 1 trilhão, uma importante jogada estratégica chinesa.

    A confluência entre os testes nucleares da Coreia do Norte e as aparições públicas importantes de Xi não é coincidência, dizem analistas. O objetivo é demonstrar que Kim, líder de um um país vizinho, pequeno e renegado, tem a capacidade de diminuir o poder e prestígio de Xi como presidente da China. De fato, alguns analistas chegaram a afirmar que o mais recente teste pode ter se destinado primariamente a pressionar Xi, e não o presidente norte-americano Donald Trump.

    "Kim sabe que Xi tem poder real para afetar o cálculo estratégico em Washington", disse Peter Hayes, diretor do Nautilus Institute, uma organização de pesquisa especializada em questões norte-coreanas. "Ele está colocando pressão sobre a China para que esta diga a Trump que ele precisa negociar com a Coreia do Norte".

    O que Kim mais deseja, disse Hayes, são negociações com Washington, que o líder norte-coreano espera que resultem em um acordo para a redução dos efetivos militares norte-americanos estacionados na Coreia do Sul, e na manutenção das armas nucleares do país. No cálculo de Kim, a China dispõe da influência para fazer com que essa negociação aconteça.

    Embora alguns analistas chineses digam que a Coreia do Norte deveria ser forçada a pagar o preço pelo seu desprezo quanto à China, que é aliada e o maior parceiro comercial dos norte-coreanos, eles não estão otimistas quanto à possibilidade de que o teste do domingo leve Xi a abandonar sua determinação de se manter acima da disputa e de não sujar as mãos tentando forçar Kim a mudar de comportamento.

    Nem mesmo a afirmação pelos norte-coreanos de que a arma detonada no teste era uma bomba de hidrogênio que poderia ser montada em um míssil balístico deve levar Xi a mudar de opinião, eles afirmaram.

    "O sexto teste nuclear deveria forçar a China a fazer algo de radical; esse será um teste político", disse Cheng Xiaohe, especialista em questões nucleares na Universidade Renmin. "Mas não é essa a impressão que a situação está causando".

    Assista ao vídeo

    O Ministério do Exterior chinês expressou "forte condenação" ao teste. Mas a despeito das incitações repetidas por parte dos norte-coreanos, a liderança chinesa provavelmente manterá sua posição de que uma Coreia do Norte equipada com armas nucleares é menos perigosa para a China do que a possibilidade de um colapso político no país, disse Cheng. Isso poderia resultar na reunificação da península coreana, sob o controle dos Estados Unidos e de sua aliada, a Coreia do Sul.

    A China teme que esse venha a ser o resultado caso use sua maior arma de pressão econômica : o corte no fornecimento do petróleo que mantém em funcionamento a rudimentar economia da Coreia do Norte.

    "Cortar o fornecimento de petróleo poderia ter impacto severo sobre as indústrias da Coreia do Norte e solapar a estabilidade do regime, uma solução sobre a qual China e Rússia têm sérias reservas", disse Zhao Tong, pesquisador do Centro Carnegie-Tsinghua de Política Mundial, em Pequim.

    A China fez uma proposta que depende de a Coreia do Norte suspender seus testes nucleares em troca da suspensão dos exercícios militares norte-americanos na região da península coreana.

    Mas Xi no momento está consumido por questões internas, dizem os analistas chineses. As maquinações políticas que cercam o Congresso Nacional do Partido Comunista, que acontece em Pequim na metade de outubro e selecionará novos membros para a elite governante, estão no topo de sua agenda. Durante o congresso, Xi receberá seu segundo mandato de cinco anos como presidente do país.

    A China sempre busca calma doméstica no período que antecede o congresso, sigiloso, e é improvável que faça alguma coisa antes que o evento se inicie, em 19 de outubro, disse Zhao.

    A maior preocupação para a liderança chinesa é a possibilidade de que a Coreia do Norte se volte contra a China, o único aliado do país. "Se encurralada, a Coreia do Norte pode agir militarmente contra a China, porque o relacionamento entre os dois países jamais esteve tão deteriorado", disse Zhao.

    A China fornece mais de 80% do petróleo cru da Coreia do Norte, e a suspensão de entregas poderia ser a mais forte sanção econômica, com abrangência muito maior do que as sanções impostas ao país pelas Nações Unidas, com apoio chinês.

    Também havia alguma dúvida sobre se o corte do fornecimento de petróleo faria grande diferença para o regime norte-coreano. "Os efeitos econômicos serão substanciais mas não paralisarão o regime", disse Hayes, do Nautilus Institute, cuja especialidade são as necessidades energéticas da Coreia do Norte.

    As dificuldades se fariam sentir especialmente entre as pessoas comuns. Menos comida chegaria aos mercados e menos pessoas poderiam viajar de ônibus entre uma cidade e outra.

    O exército da Coreia do Norte tem estoques de petróleo de pelo menos um ano, para uso rotineiro em tempo de paz, disse Hayes. "Em tempo de guerra, seus estoques bastariam para cerca de um mês de ação, ou provavelmente ainda menos".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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