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    Escassez e falta de vacinas fazem difteria reaparecer na Venezuela

    YAN BOECHAT
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM CARACAS

    07/09/2017 02h00 - Atualizado às 18h44
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    A epidemia de difteria que começou no final de 2016 na Venezuela continua fazendo vítimas e até agora não se sabe a real extensão do problema, concentrado na região de fronteira com o Brasil.

    No final de agosto, mais uma criança morreu no Estado de Bolívar, que faz fronteira com Roraima, com sintomas clássicos da doença, altamente contagiosa e que estava praticamente desaparecida no continente americano há mais de duas décadas.

    Juan Carlos de la Cruz/AVN/Xinhua
    Enfermeiras no hospital materno-infantil de Caracas; difteria ressurge na Venezuela após 26 anos
    Enfermeiras no hospital materno-infantil de Caracas; difteria ressurge na Venezuela após 26 anos

    De acordo com informações da Organização Pan-americana de Saúde (Opas), 447 casos suspeitos de difteria foram registrados no país entre setembro do ano passado e julho deste ano. A Sociedade Venezuelana de Saúde Pública, por sua vez, contabiliza em cerca de 50 o número de mortes devido à doença nos últimos 12 meses.

    O menino José Guerrero, 6, deu entrada no hospital Raúl Leoni, na cidade de Guaiparo, a 590 km da cidade brasileira de Paracaima, em 25 de agosto e morreu apenas seis horas depois.

    Um mês antes, Roraima registrou a primeira morte de um paciente por difteria em território brasileiro desde 2000. Também um menino, de 10 anos, vindo da cidade venezuelana de Santa Elena de Uairén, na fronteira com o Brasil, deu entrada no Hospital Infantil de Boa Vista com sintomas da doença. Morreu uma semana depois.

    Quase 70% das vítimas dos poucos casos que passaram por exames de confirmação têm entre 0 e 19 anos.

    DISSEMINAÇÃO

    A epidemia teve início em setembro do ano passado, quando os primeiros casos começaram a surgir nas áreas de garimpo de ouro do Estado de Bolívar.

    Rapidamente casos suspeitos da doença começaram a surgir em todo o país, inclusive na capital, Caracas. Até o momento, 17 dos 23 estados venezuelanos já registraram casos suspeitos de difteria.

    Mas a maior concentração permanece em Bolívar, estado por onde passa a rodovia Caracas-Boa Vista e em que há maior interação entre venezuelanos e brasileiros.

    "É claro que se a população brasileira estiver vacinada não há muito com o que se preocupar, mas acho provável que comecemos a ver casos de difteria entre as populações indígenas mais isoladas, que cruzam a fronteira com frequência", diz o infectologista venezuelano Julio Castro Méndez.

    O problema, afirmam especialistas em epidemiologia, são as falhas nas campanhas de vacinação que o governo venezuelano promoveu nos últimos anos.

    De acordo com os médicos que acompanham os raros dados disponíveis, o país não consegue fazer a cobertura ideal de suas crianças e jovens por não ter dinheiro para adquirir a quantidade de vacinas suficientes para atender toda a população.

    Carlos Walter Valecillos, ministro da Saúde venezuelano de 1995 a 1997, afirma que o problema está ligado à incapacidade do governo em realizar campanhas de vacinação satisfatórias.

    "Essa era uma doença que estava quase erradicada do país, desde o início dos anos 1990 não registrávamos casos", diz ele. De acordo com os boletins epidemiológicos divulgados pela Opas, nos casos confirmados de difteria, 78% das vítimas tinham carteiras de vacinação incompletas e 15% simplesmente não estavam vacinados.

    A grave crise econômica e financeira pela qual passa a Venezuela tem atingido de forma sensível a área de saúde, em especial o acesso a medicamentos.

    No Brasil, houve apenas quatro casos confirmados de difteria em 2016. A cobertura vacinal para a doença atingiu 91% do território nacional em 2016, segundo o Ministério da Saúde.

    Editoria de Arte/Folhapress

    ESCASSEZ

    A estimativa da Sociedade Venezuelana de Saúde é que estejam em falta no país cerca de 80% dos medicamentos necessários para a população. Remédios simples como antibióticos, anti-inflamatórios ou mesmo aqueles de uso contínuo, como insulina, são extremamente difíceis de serem encontrados.

    "A questão da difteria como todo o problema de saúde venezuelano nesse momento tem uma só razão: a crise pela qual passa o país, com escassez de reservas em dólares, e a incapacidade do governo em atender os requisitos básicos do sistema", diz o coordenador da Unidade de Políticas Públicas da Universidade Simón Bolívar, uma das principais do país, o médico Marino González.

    "E o pior de tudo isso é que não temos nem ideia da real dimensão do problema. Só sabemos que a epidemia continua sem controle por conta do que ouvimos dos colegas e pelas redes sociais", diz ele.

    Há mais de três anos o Ministério da Saúde da Venezuela não divulga nenhum dado sobre saúde no país. Nem notificações de casos como a difteria ou dengue, nem informações sobre taxas de natalidade ou mortalidade.

    A epidemia de difteria só foi confirmada pelos médicos venezuelanos depois que dados em relatórios internos do Ministério da Saúde de Cuba começaram a dar conta do problema no país.

    Apenas em dezembro do ano passado a Opas confirmou as suspeitas, divulgando um boletim epidemiológico. Até o dia 22 de agosto, os médicos continuaram no escuro, até que, após intensa pressão, a Organização Pan-Americana de Saúde divulgou novos dados.

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