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    Distância da política impulsiona autoritarismo, afirma Barack Obama

    IGOR GIELOW
    DE SÃO PAULO

    05/10/2017 13h04

    A distância entre os cidadãos e o poder político é o combustível que alimenta o crescimento de movimentos nacionalistas e autoritários no EUA, e também é uma ameaça no Brasil.

    A afirmação foi feita pelo ex-presidente americano Barack Obama, que identificou como seu maior arrependimento no poder não ter sido capaz de aproximar pessoas em polos opostos do espectro político. "Democracia é duro", disse ele.

    "Fomos bem-sucedidos em evitar uma grande depressão (depois da crise iniciada em 2008, quando foi eleito), mas não foi tão rápido assim, e as pessoas foram para cada uma para seu canto", disse, acrescentando à lista de arrependimentos o chiste: "Não ter tingido o cabelo antes".

    Obama falou em um evento realizado em São Paulo nesta quinta (5) pelo banco Santander e pelo jornal "Valor Econômico" por cerca de 20 minutos e respondeu a questões elaboradas pela organização por mais 40 minutos.

    Segundo Obama, a população americana se vê alijada da "Washington distante". "Não é surpresa que movimentos nacionalistas, potencialmente autoritários, tenham feito progresso e ameaçado nossas tradições", disse.

    O Brasil, completou, "também corre esse risco", apesar de sua história própria.

    O ex-presidente não citou nominalmente o sucessor, Donald Trump, mas criticou vários aspectos de suas políticas. Disse ser impossível argumentar com quem rejeita a ciência do aquecimento global, como o republicano.

    Em sua exposição, falou sobre os riscos inerentes à internet. "Ela tribalizou a política. É o melhor e o pior dos tempos". Por "melhor" ele indicou a conectividade global. Por pior, "o ódio espalhado pelas redes" que levou à polarização extrema não só dos EUA, mas do debate público em vários lugares do mundo —o Brasil não é exceção.

    Obama fez uma defesa do capitalismo liberal, ressaltando a necessidade de atender àqueles que ficam para trás na globalização usando um clichê sobre o assunto. "Em um mundo em que 1% detêm a riqueza, há instabilidade política".

    Citou como exemplos de políticas atenuantes a assistência social e o programa de universalização da saúde conhecido como Obamacare, que Trump quer desmontar.

    "Ele é meu maior orgulho como presidente", disse, adicionando à lista outra realização que Trump ameaça : o acordo nuclear com o Irã. Para ele, é um exemplo de como a diplomacia pode suplantar o poderio bélico.

    Não deixou a Coreia do Norte, fonte de dor de cabeça para os EUA e aliados neste ano, de fora da fala. "Infelizmente, quando cheguei à Casa Branca a Coreia do Norte já estava além, com um programa de armas nucleares, disse. "É um perigo real", disse, ressalvando preferir soluções diplomáticas. "Não se resolve tudo com tanques e aviões."

    Elizabeth Shafiroff - 20.set.2017/Reuters
    FILE PHOTO: Former U.S. President Barack Obama speaks at the Bill & Melinda Gates Foundation Goalkeepers event in New York, U.S., September 20, 2017. REUTERS/Elizabeth Shafiroff/File Photo ORG XMIT: HFS-INK106
    Ex-presidente dos EUA Barack Obama em evento recente na Fundação Bill e Melinda Gates

    Obama falou sobre as dificuldades do processo decisório no mundo. Para ele, não faltam "soluções técnicas", mas sim políticas. Citou como exemplo a fome na África, que poderia ser resolvida em alguns países se os povos "não estivessem atirando um nos outros".

    O ex-presidente cercou sua visita de segredos. O cachê, estimado num evento recente nos EUA em US$ 400 mil, não pôde ser violado sob risco de não-comparecimento —o que ocorreu na Europa este ano. A plateia pagou até R$ 7.500 por um ingresso.

    Havia no público, estimado em cerca de mil pessoas, empresários e alguns atores políticos como o ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa e o apresentador Luciano Huck. Nomes da política tradicional não se destacavam.

    Na tarde desta quinta, Obama recebeu 11 jovens escolhidos pela fundação que leva seu nome para discutir temas como sustentabilidade, empreendedorismo e mudança climática. Dois deles são integrantes do movimento político Acredito, criado este ano e que busca alternativas aos nomes tradicionais na formulação de políticas públicas.

    Um deles, José Frederico Lyra Netto, disse à Folha que Obama mais ouviu do que falou no encontro. "Ele foi muito humilde, queria saber o que cada um estava fazendo, talvez mais para a frente haja novos contatos", afirmou Lyra Netto, 33, que hoje se dedica só ao Acredito e à Rede de Talentos da Fundação Lehmann, ambos movimentos bancados por empresários graúdos que buscam fomentar novos nomes na política. "Eu fiquei bastante nervoso, mas ele nos deixou à vontade."

    Obama diz que irá se dedicar a "treinar jovens a serem lideranças" nos "20 ou 30 anos" que antevê de vida. Ele diz que a falta de renovação no Congresso americano é um mau exemplo para o mundo. "Estão lá há anos, bloqueiam o acesso aos mais novos", afirmou, ressaltando a crença de que a educação é o diferencial de qualquer país. "Pegue Cingapura. Um país isolado, mas com um povo altamente educado. A nação prospera", disse, engatando que preferia "não insultar" países com grandes recursos naturais e educação falha —referência clara ao Brasil.

    Neste ponto, Obama, que já havia feito as inevitáveis citações futebolísticas que todo estrangeiro parece se sentir obrigado a apresentar no Brasil ao dizer que seu então vice Joe Biden havia ficado com seus ingressos para a Copa de 2014 (e ainda queixou-se de não ter vindo ao Carnaval), disse que "não se ganha a Copa do Mundo" se "você deixar metade de seu time para trás".

    Ele se referia à falta de políticas para inclusão educacional de mulheres e também de negros. "Se deixar os jogadores de origem africana, perde-se em talento", afirmou.

    Obama chegou a São Paulo na quarta (4) e está hospedado no hotel Hilton (zona sul). Ele veio com 12 pessoas de sua fundação e seguirá nesta sexta para a Argentina.

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