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    Entenda por que o primeiro-ministro do Japão antecipou as eleições

    ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
    DE SÃO PAULO

    06/10/2017 18h59

    Kim Kyung-Hoon /Reuters
    A reporter looks at a leaflet of ruling Liberal Democratic Party's (LDP) election campaign with printed face of Japan's Prime Minister Shinzo Abe, during a news conference at the LDP's headquarters in Tokyo, Japan, October 2, 2017. REUTERS/Kim Kyung-Hoon ORG XMIT: TOK005
    Repórter lê propaganda política do PLD, partido do premiê Shinzo Abe, durante entrevista na sede do partido

    O primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, decidiu antecipar as eleições para a Câmara baixa (o equivalente à Câmara dos Deputados) para fortalecer politicamente seus planos militares e econômicos. Prevista para o ano que vem, ela agora foi marcada para 22 de outubro.

    A manobra de Abe tinha em vista que o principal partido de oposição até então, o Partido Democrata, estava muito enfraquecido por denúncias de corrupção e atritos internos.

    Naquele momento, pesquisas mostravam que o apoio a Abe era crescente e que uma eleição poderia fazer com que seu partido, o Partido Liberal Democrata (PLD), aumentasse o número de cadeiras na Câmara baixa.

    A coalizão de Abe (PLD e o tradicional partido Komeito) tem 68% dos 475 assentos da Câmara Baixa: são 288 deputados do PLD e 35 do Komeito, número já suficiente para garantir reformas constitucionais para aumentar a autonomia militar japonesa.

    Eleições no Japão
    O que está em jogo
    O premiê japonês, Shinzo Abe

    AMEAÇA NORTE-COREANA

    O assunto ganhou temperatura com as ameaças norte-coreanas. O ditador do país vizinho, Kim Jong-un, tem disparados mísseis que sobrevoaram o território japonês e agências de notícias norte-coreanas falaram em "afundar o Japão.

    Abe quer alterar o artigo 9 da Constituição, imposta pelos Estados Unidos após o final da Segunda Grande Guerra, que determina que as Forças Armadas do Japão tenham papel apenas defensivo. Seria a primeira mudança na Carta desde que ela foi instituída, há sete décadas.

    Em meio à crise com a Coreia do Norte, Abe tem também estreitado relações com Índia e China e acelerado o programa de mísseis de defesa.

    Quando anunciou que dissolveria a Câmara e anteciparia para este ano as eleições marcadas para o ano que vem, Abe foi claro em seus propósitos: "Não devemos nos deixar ameaçar pela Coreia do Norte. Se receber aprovação da população no voto, seguirei à frente com uma diplomacia vigorosa".

    Ao mesmo tempo, anunciou um plano de investimentos de US$ 18 bilhões. O dinheiro obtido com aumento do imposto sobre consumo, que originalmente seria usado para conter o déficit público, é agora prometido para pré-escolas, universidades e cuidados com idosos.

    PEDRA NO SAPATO

    O problema para Abe é que, horas depois de sua entrevista, a governadora de Tóquio, Yuriko Koike, anunciou a criação de um partido nacional (Partido da Esperança) para concorrer com o PLD nas eleições marcadas para 22 de outubro.

    Em uma semana, da governadora atraiu dezenas de políticos (incluindo governistas do PLD), anunciou que lançará ao menos 50 candidatos e já aparecia com quase 15% das intenções de voto (contra 24% do PLD) em pesquisa feita no sábado (30) e no domingo (1º) pelo instituto Kyodo.

    Mesmo sem ser candidata, Koike é a favorita para ser primeira-ministra para 33% dos entrevistados, contra 45,9% que preferem Abe.

    Analistas japoneses não descartam que haja surpresas como as verificadas na Grã-Bretanha, em que a primeira-ministra Theresa May também antecipou eleições, mas acabou perdendo assentos no Legislativo.

    A Dieta, Poder Legislativo federal do Japão, é formada pela Câmara baixa ou Câmara dos Representantes, por eleições diretas a cada quatro anos ou quando é dissolvida, e pela Câmara alta ou dos Conselheiros, da qual todos os membros são eleitos por voto direto a cada 6 anos, com renovação da metade a cada 3 anos.

    O primeiro-ministro é escolhido pela Dieta, dentre o líder do partido majoritário ou de um dos coligados. Ele nomeia os ministros de seu gabinete, que constitui o Poder Executivo

    Um dos riscos que Abe corre se a oposição de Koike lhe tirar muitos votos é o de que ele não seja reeleito como primeiro-ministro. O premiê e seu partido foram envolvidos em escândalos recentes, entre eles ligações da mulher de Abe com uma escola em Osaka que lhe favoreceu em uma negociação.

    ECONOMIA NA BERLINDA

    A política econômica de Abe também está na berlinda.

    Quando assumiu o cargo, em 2012, ele prometeu acabar com a deflação usando três flechas: incentivos monetários, política fiscal e mudanças estruturais. Era uma plataforma de apelo forte num momento em que o país havia sido ultrapassado pela China como segunda maior economia do mundo.

    Críticos dizem que em vez das flechas ele lançou dardos de brinquedo: o PIB cresce por seis trimestres seguidos, mas a ritmo lento, e apesar da taxa de desemprego perto de 3% (a menor do G7), a maioria dos novos empregos é de tempo parcial, com salários baixos e menos benefícios. Embora os lucros das grandes companhias tenha aumentado, elas não têm elevado os salários.

    Segundo analistas, há pouco espaço para convencer os eleitores de que ele implantará de fato agora as anunciadas flexibilização do mercado de trabalho, reforma tributária e um boom de inovação.

    A cada vez que o público se cansa, Abe chama nova eleição, reclamam analistas e jornalistas locais.

    Outros pontos da política do premiê, como incentivar a entrada de mulheres no mercado de trabalho (forte bandeira de Koike) e melhorar a governança dos megaconglomerados japoneses também tiveram sucesso apenas relativo, e são alvos da plataforma política recém-lançada pela governadora.

    Abe também é criticado por pressões sobre jornalistas e por leis de segurança que põem em risco direitos dos cidadãos.

    Se for reeleito e completar um terceiro termo, Abe será o mais longevo premiê do pós-guerra.

    29.set.2017/AFP
    (FILES) This file photo taken on September 29, 2017 shows an undated picture released from North Korea's official Korean Central News Agency (KCNA) on September 30, 2017 of North Korean leader Kim Jong-Un (C) visiting Farm No. 1116 under Korean People's Army (KPA) Unit 810 at an undisclosed location.North Korean leader Kim Jong-Un is a rational politician and the US needs to understand that to deal with the nuclear-armed country, a top Central Intelligence Agency Korea expert said on October 4, 2017. "Beyond the bluster, Kim Jong-Un is a rational actor," said Yong Suk Lee, the deputy assistant director of the CIA's Korea Mission Center. "We have a tendency in this country to underestimate his conservatism." "He wants to rule for a long time and die in his own bed," Lee said at a conference on the CIA at George Washington University. / AFP PHOTO / KCNA VIA KNS / STR / South Korea OUT / REPUBLIC OF KOREA OUT ---EDITORS NOTE--- RESTRICTED TO EDITORIAL USE - MANDATORY CREDIT "AFP PHOTO/KCNA VIA KNS" - NO MARKETING NO ADVERTISING CAMPAIGNS - DISTRIBUTED AS A SERVICE TO CLIENTSTHIS PICTURE WAS MADE AVAILABLE BY A THIRD PARTY. AFP CAN NOT INDEPENDENTLY VERIFY THE AUTHENTICITY, LOCATION, DATE AND CONTENT OF THIS IMAGE. THIS PHOTO IS DISTRIBUTED EXACTLY AS RECEIVED BY AFP. /
    O ditador norte-coreano Kim Jong-Un (à dir.) e membros das Forças Armadas Norte-Coreanas

    DESAFIOS DO JAPÃO

    Há pelo menos seis grandes desafios para o próximo governante japonês:

    Coreia do Norte - em menos de um mês, o país vizinho lançou dois mísseis sobre o norte do Japão e ameaçou afundar o país. Abe tem pressionado por mais sanções a Pyongyang, que recentemente admitiu ter sequestrado 13 cidadãos japoneses nos anos 1970 e 1980 para treinar seus espiões. Japoneses acusam norte-coreanos de sequestrar mais gente, e aqueles acusam os japoneses de nunca terem se desculpado o suficiente pelas atrocidades de guerra

    A questão feminina - O Japão tem uma das populações femininas mais qualificadas do mundo, mas a participação delas no mercado de trabalho é muito menor que a dos homens, seus salários são menores e elas ascendem mais lentamente que eles. As tentativas de Abe para aumentar a inclusão de mulheres nas empresas não surtiram resultado. Entre as críticas estão a falta de creches e estruturas de apoio para as mulheres com filhos e a cultura de negócios, excessivamente patriarcal e machista, que tende a valorizar o número de horas que se fica na empresa.

    Bomba demográfica - O Japão deverá ser o primeiro país ultravelho do mundo, com mais de 28% da população acima dos 65 anos. O envelhecimento traz mudanças econômicas, pois reduz a quantidade de mão de obra, e eleva custos sociais, principalmente com saúde. Esforços para aumentar a natalidade não têm surtido efeitos, e o país é refratário à imigração, que poderia ser uma solução para o mercado de trabalho. Há também o temor de que as zonas rurais se esvaziem, deixando a cidades com uma alta concentração de idosos.

    Competitividade - Abe prometeu reduzir a burocracia para incentivar startups, mas críticos dizem que o programa caminha a passo de tartaruga, enquanto as empresas japonesas perdem espaço na competição internacional em termos de inovação. A China já ultrapassou o Japão como segunda maior economia do mundo e tem investido justamente em indústria de alta tecnologia, que já foi um dia um dos pontos fortes japoneses.

    Ritmo lento e salários congelados - O governo Abe conseguiu entregar crescimento durante seis trimestres consecutivos, a marca da década. Mas o ritmo, 1,3% anual, é muito inferior ao de rivais asiáticos como China e índia e supera em pouco os 0,9% que havia quando Abe subiu ao poder. O Abenomics, política econômica de Shinzo Abe, elevou os lucros das empresas e as cotações das ações, mas isso não se refletiu em aumento dos salários e o fantasma da deflação persiste.

    Dívida explosiva - nenhum dos países ricos tem uma dívida pública tão grande quanto a japonesa, que supera o dobro do tamanho do PIB. A maior parte da dívida está na mão de fundos institucionais domésticos de longo prazo, o que reduz a pressão sobre o governo. Mas a política de Abe tem sido a de fazer novas dívidas para fundear pacotes de estímulo à economia.

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