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    Redesenho do Oriente Médio ganha impulso com derrota do EI

    IGOR GIELOW
    DE SÃO PAULO

    17/10/2017 11h51

    Rodi Said/Reuters
    Fighters of Syrian Democratic Forces gesture the "V" sign at the frontline in Raqqa, Syria October 16, 2017. REUTERS/Rodi Said ORG XMIT: GGGEDC101
    Rebeldes anti-Assad comemoram a captura de Raqqa de forças do Estado Islâmico

    As placas tectônicas do novo Oriente Médio voltaram a se movimentar nesta semana, e o hasteamento de duas bandeiras demonstra a complexidade da nova geografia que emerge do esmagamento do Estado Islâmico e a renovada influência do Irã e da Rússia na região.

    Nesta terça (17), foi anunciada por grupos de oposição ao ditador Bashar al-Assad a reconquista de Raqqa das mãos dos extremistas do EI, um feito que coroa quatro meses de campanha para tomar a capital do autoproclamado califado na Síria.

    No estádio local e em prédios públicos ainda de pé surgiram bandeiras de grupos das Forças Democráticas da Síria, uma coalizão de opositores de Assad e inimigos do EI cujo centro combatente pertence a milícias curdas. Teoricamente, é uma vitória para os Estados Unidos, que bancaram por um bom tempo a linha de suprimento do YPG, o principal desses grupos, e deu apoio aéreo com ataques desde 2014.

    Teoricamente porque tudo indica, a partir dos relatos disponíveis, que o avanço do YPG só pôde ser feito porque havia uma frente secundária, liderada por ninguém menos do que o Exército de Assad, milícias iranianas e apoio aéreo da Rússia. Parece óbvio que houve coordenação, embora todos os lados neguem detalhes.

    Essa ofensiva varreu o deserto central sírio, cortando linhas de suprimento do EI. Mais do que os ataques ocidentais, média de 23 bombardeios a US$ 13,6 milhões diários, como meticulosamente detalha o site da operação liderada pelos EUA, foi a intervenção russa, com presença intensiva de tropas aliadas de Teerã, que parece ter quebrado a espinha dorsal do EI.

    O que não significa que o grupo terrorista vá desaparecer do noticiário, claro, até porque hoje qualquer jovem desiludido de periferias europeias aluga uma van, atropela dez pessoas e o EI clama mais uma vitória em sua guerra santa. Assim seguirá. Mas o poder do grupo sunita de controlar território parece encerrado, deslocando o foco de suas operações para a Líbia.

    A questão que subsiste com a vitória, se confirmada, é a insinuação de que a tão antecipada partilha da Síria em linhas étnico-confessionais possa estar sendo enfim desenhada. Mesmo com ajuda russa, Raqqa é uma vitória de grupos anti-Assad, pró-EUA. Se antes os russos e iranianos atacavam suas posições, como será agora? Damasco tentará tomar Raqqa? Os sinais visíveis, à distância, sugerem uma acomodação.

    O fato de a Rússia, aliada íntima do Irã na região, ter na semana retrasada patrocinado aproximação inédita com o maior rival de Teerã, a Arábia Saudita, pode sinalizar exatamente isso. Os sauditas apoiam uma miríade de grupos anti-Assad, inclusive com afiliações terroristas.

    Numa região acostumada a ver estrangeiros desenhando suas fronteiras, o novo mapa terá de obedecer, e muito, aos desejos do dominante Irã e da forte presença russa na Síria. Assad pode enfim sobreviver no poder, ou ao menos alguém de seu grupo alauita, mas não é impossível ver algum tipo de recorte de território à frente, o que cria novos problemas: a belicosa Turquia não quer ver um Curdistão sírio nem autônomo, quanto mais como ente estatal, para não estimular a grande minoria curda em seu território.

    Do outro lado da fronteira, no Curdistão iraquiano, o poder local não tem nada a comemorar. Lá, a bandeira do que foi uma área virtualmente autônoma foi substituída por uma do poder central em Bagdá na segunda (16). Diferentemente de seus primos sírios, os curdos do Iraque estão sob intensa pressão após terem tentado efetivar sua independência por meio de um referendo. Não suportaram um dia de operação militar.

    E no hasteamento da nova bandeira, quem se destacou ao lado de comandantes iraquianos foram dois líderes importantes de forças do Irã. O chefe da Brigada Badr, Hadi al-Amri, e Jamal Jaafar Ibrahimi estavam lá. O primeiro apoiou grupos terroristas durante a virulenta guerra sectária que ocorreu no Iraque na esteira da invasão americana de 2003. O segundo é classificado como terrorista perigoso pelos EUA desde os anos 1980.

    Oficialmente, o governo em Bagdá disse que recebeu apenas apoio de milícias iranianas na operação, mas só a presença de figuras de proa dos tentáculos de Teerã na região demonstram que definitivamente os EUA derrubaram Saddam Hussein só para entregar o Iraque nos braços dos aiatolás —um jeito otimista de ver a coisa é considerar que ambos os países são xiitas em sua maioria, e o ditador sunita governava para uma minoria, mas se a ideia era "promover a democracia", o argumento não para em pé para Washington.

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