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    Por escassez de padres, Igreja Católica pode discutir ordenação de casados

    REINALDO JOSÉ LOPES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    09/11/2017 02h00

    A escassez crônica de padres para atender os fiéis em regiões remotas da Amazônia pode levar o papa Francisco a considerar a opção de ordenar homens casados como sacerdotes da Igreja Católica, afirma a imprensa italiana.

    Segundo o jornal "Il Messaggero", religiosos brasileiros, como o cardeal dom Cláudio Hummes e o bispo emérito da prelazia do Xingu, dom Erwin Kräutler, teriam defendido a necessidade de debater o tema durante o Sínodo Pan-Amazônico, encontro de bispos da região marcado para 2019.

    A região amazônica pode ser considerada estratégica para o pontífice argentino por diversos motivos.

    Francisco mostrou que deseja aproximar mais a Igreja das causas ambientais com sua encíclica "verde", a "Laudato Si'", e sua preocupação com áreas do planeta consideradas marginais, nas quais existem pobreza crônica, populações nativas sob pressão externa e crises migratórias, também é bem conhecida.

    Em entrevista de 2015, dom Erwin Kräutler declarou que via a questão do ponto de vista prático, como parte do bem-estar espiritual dos fiéis. "O problema não é o celibato em si, que é uma graça, mas o fato de que milhões na Amazônia ficam privados da Eucaristia", disse o bispo.

    A Eucaristia ou comunhão, momento máximo da missa, depende da consagração da hóstia e do vinho, que só pode ser feita por padres.

    Rodrigo Coppe Caldeira, especialista em história do catolicismo da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, lembra que já existem sacerdotes casados na ativa hoje, em situações especiais. Há os católicos do chamado rito oriental, como os da Ucrânia e do Oriente Médio, entre os quais a presença de padres com mulher e filhos é aceita há séculos.

    Na década passada, o atual papa emérito Bento 16 estabeleceu normas para acolher religiosos anglicanos casados que se convertessem ao catolicismo.

    "Numa entrevista anterior, Francisco havia dito que considerava o celibato como uma experiência muito mais positiva do que negativa e que, se fosse necessário rever essa disciplina, seria uma opção muito mais cultural, local, do que universal", destaca Caldeira.

    Uma vez que uma pequena mudança for feita, porém, a questão é onde parar. "Como ficaria a situação na África? E na Europa, onde há cada vez menos sacerdotes?", aponta o pesquisador.

    DIÁCONOS

    Dentro do pontificado do papa argentino, essa abordagem faz sentido porque Francisco já mostrou diversas vezes seu interesse pelo contexto local das diferentes igrejas, diz o sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador de projetos do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP.

    "De certa maneira, já existe um experimento embrionário de como seria esse tipo de sacerdócio com a existência dos diáconos casados", aponta ele. Esses diáconos, em geral fiéis mais velhos e experientes, podem conduzir cerimônias de casamento, por exemplo, embora não possam consagrar as hóstias e o vinho usados na Eucaristia.

    Além disso, lembra Ribeiro Neto, nas igrejas orientais nas quais há padres casados, o casamento sempre acontece antes da ordenação —se alguém se torna sacerdote ainda solteiro, espera-se que continue celibatário.

    "Portanto, a lógica é que você crie dois caminhos paralelos para o sacerdócio, digamos, e não que essa possibilidade sirva para que os padres já ordenados hoje acabem se casando."

    Além do Sínodo Pan-Amazônico, marcado para 2019, haverá outro sínodo em 2018, cujo tema serão as vocações dos jovens —um termo que, num contexto católico, tem a ver, em grande medida, com o desejo de entrar na vida sacerdotal ou religiosa.

    Levando em conta as discussões abertas e frequentemente ásperas que marcaram o primeiro sínodo do papado de Francisco, dedicado à família, faz sentido esperar que propostas ousadas sobre a ordenação de casados sejam expostas de modo mais claro em ambos os encontros futuros.

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