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    Oscar Vilhena Vieira: Democracia e pluralismo

    30/09/2013 03h00

    O pluralismo político é um dos fundamentos de nosso Estado democrático de Direito, conforme disposto pelo artigo 1º da Constituição. É por essa razão que o artigo 17 diz ser livre a criação de partidos.

    Evidente que o nosso direito estabelece requisitos para se registrar um partido. O fato de hoje termos 32 legendas reconhecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral demonstra que os requisitos não são muito estritos.

    É nesse contexto que causa perplexidade o fato de a Rede Sustentabilidade, liderada por Marina Silva, não ter sido ainda incluída no rol de partidos políticos brasileiros, sendo autorizada, assim, a concorrer pelos votos dos cidadãos. Ainda mais quando comparado a outros partidos de rala densidade programática e nenhuma liderança que trafegam livremente em nosso sistema.

    Afinal, as ideias representadas pela Rede e vocalizadas por Marina, gostemos ou não, angariaram enorme quantidade de apoiadores. Caso contrário, a ex-senadora não teria obtido expressiva votação na última eleição presidencial nem estaria em segundo lugar nas pesquisas da próxima.

    Ou seja, a Rede e sua líder, que agora aguardam deliberação do TSE sobre a validade do registro, já deram mostras expressivas de representarem uma significativa parcela da sociedade brasileira; logo, de disporem de legitimidade para compor o arco da democracia pluralista desenhada pela Constituição de 1988.

    Impedir que esse grupo participe da competição eleitoral reduziria a possibilidade de que milhões de brasileiros pudessem exercitar seus direitos políticos de maneira plena, escolhendo o partido e candidatos que representem seus ideais.

    A questão, porém, não é apenas de legitimidade. Necessário se faz que essa legitimidade possa estar formalmente revestida. Logo, trata-se também de uma questão de legalidade. E é bom que assim seja.

    Para que se crie um partido, seus fundadores precisam demonstrar o seu caráter nacional. O que se deve fazer pelo apoio de pelo menos 0,5% do eleitorado das últimas eleições parlamentares, o que significa praticamente 492 mil assinaturas.

    A Rede demonstra ter coletado pelo menos 910 mil assinaturas, sendo que depois de um processo de checagem interna, 660 mil foram encaminhadas a cartórios eleitorais ao redor do Brasil em 10 de agosto.

    Alarcão

    Conforme estabelece a legislação, esses cartórios teriam 15 dias para analisar as respectivas listas. Dado a grande quantidade de assinaturas e o prazo exíguo, surgiu um primeiro problema: muitos cartórios se encontram em mora. Calcula-se que 80 mil assinaturas ainda estejam pendentes de análise. Outro problema foi a invalidação de parte significativa das assinaturas de apoio sem qualquer motivação (95 mil), o que é um requisito da legislação. Ou seja, tecnicamente essas invalidações são inválidas.

    Há, ainda, inconsistência nos métodos utilizados para a conferência das assinaturas por alguns cartórios ou mesmo o estabelecimento de exigências não previstas na lei.

    Caso houvesse tempo, a dúvida sobre a obtenção ou não das assinaturas seria certamente resolvida. Porém, para que possa concorrer em 2014, a Rede precisa obter o registro até o dia 5 de outubro. Permitir o surgimento de um partido que não cumpra os requisitos legais é inaceitável. Por outro lado, impedir o registro de um partido que tem apoio de setores significativos da sociedade por problemas de natureza burocrática, de responsabilidade de alguns cartórios, seria ainda mais inadmissível, pois frustraria a realização do princípio do pluralismo que alicerça nosso regime democrático.

    Felizmente, o direito tem mecanismos para enfrentar essas situações. Nada impede que o TSE conceda cautelarmente o registro do partido e proceda com mais tempo a análise do imbróglio. Tendo em vista que os prejuízos do não registro serão irreparáveis e a autorização para funcionamento facilmente reversível, não vejo por que não deveria o TSE conceder cautelarmente o registro da Rede. Seria o mais sensato e o que melhor atende os mandamentos constitucionais.

    OSCAR VILHENA VIEIRA, 47, é professor de direito constitucional da Direito Fundação Getulio Vargas

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