A Índia está prestes a "demitir" a dinastia dos Gandhi-Nehru, que domina o país há mais de 60 anos, e coroar o polêmico Narendra Modi como próximo primeiro-ministro, nas eleições que começam em abril.
Segundo pesquisa do Pew Research Center da semana passada, 73% dos indianos querem que o partido de Modi, o Bharatiya Janata (BJP), legenda nacionalista hindu de centro-direita, lidere o próximo governo. Só 19% apoiam o atual governo de centro-esquerda, do partido do Congresso, que tem Rahul Gandhi –neto e filho de primeiros-ministros– como relutante candidato.
Para o empresariado indiano, Modi, 63, é o brilhante CEO que vai resgatar a Índia de sua pasmaceira econômica. No ano passado, o PIB indiano avançou só 4,4%. A Índia precisa crescer pelo menos 8% para absorver o 1 milhão de trabalhadores que entram no mercado de trabalho todo mês.
Modi consolidou sua imagem de administrador eficiente como ministro-chefe (governador) de Gujarat, que cresce bem mais que o resto da Índia. Ele reduziu a burocracia e oferece mundos e fundos tributários para atrair investimentos.
Nas palavras de Anil Ambani, dono do conglomerado Reliance Group, Modi é "um líder entre os líderes, um rei entre os reis". Mas boa parte da população reserva epítetos bem menos lisonjeiros para Modi: "Hitler indiano", "fascista" e "genocida".
Modi era ministro-chefe de Gujarat durante o massacre de 2002, que levou à morte de mais de 1000 pessoas, na maioria muçulmanos. No dia 27 de fevereiro de 2002, um trem cheio de peregrinos hindus foi incendiado e 58 pessoas morreram. Muçulmanos foram responsabilizados. Selvageria inimaginável se seguiu. Cerca de 150 mil muçulmanos fugiram. Mulheres grávidas tinham fetos arrancados de suas barrigas e meninas sofriam estupro coletivo, para depois serem queimadas vivas.
Modi, que veio do grupo extremista hindu Rashtriya Swayamsevak Sangh (RSS), foi acusado de ter incitado hindus à violência, enquanto a polícia assistia impassível ao assassinato de muçulmanos. No ano passado, uma equipe de investigação inocentou Modi, mas muitos a questionaram.
Recentemente, indagado se lamentava o massacre de 2002, Modi deu uma resposta que enfureceu os muçulmanos: "Se um cachorrinho for atropelado, é claro que vamos ficar tristes, mesmo se for outra pessoa que estiver dirigindo".
Os indianos estão insatisfeitos. Não querem perpetuar no poder o partido do Congresso, sinônimo de corrupção e nepotismo. Mas a Índia tem 138 milhões de muçulmanos, segunda maior população muçulmana do mundo.
Um governo de Modi poderia exacerbar as tensões sectárias no país e transformar a Índia em um barril de pólvora.
PATRÍCIA CAMPOS MELLO é repórter especial da Folha.
Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de ANTONIO DELFIM NETTO.