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    Angelo Maiolino: O prejuízo da falta de medicamentos

    17/11/2014 02h00

    A questão do impacto do uso das novas drogas, particularmente na onco-hematologia e no câncer, tem que ser avaliada do ponto de vista custo-benefício. O problema é que nós, médicos, temos que nos basear em dados concretos para permitir que as drogas sejam aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa.

    Nos Estados Unidos, a legislação permite que drogas em estudos de fase dois, que avalia a eficácia da medicação, tenham registro preliminar. Os americanos entendem isso em decorrência do processo para aprovação de medicamentos para HIV com impacto na vida do paciente que não pode esperar.

    Na Europa o custo da saúde fica a cargo do governo no geral. Nos Estados Unidos é a área privada que se ocupa disso. No Brasil, vemos uma situação que é a pior dos mundos.

    O governo, por meio da Anvisa, tenta regular na sua origem a entrada desses medicamentos, que muitas vezes tem a negativa para a entrada sem consistência científica.

    O caso da lenalidomida, para tratamento de mieloma múltiplo, tipo de câncer de sangue, é emblemático. A droga está presente em 80 países, com base em trabalhos publicados na década passada e que a consideram eficaz para o paciente. Não faz sentido algum, a nosso ver, a negativa de registro. Nas várias vezes em que a Anvisa travou o registro, fez uma série de questionamentos sem sentido relacionados à lenalidomida.

    Além disso, é possível ter um medicamento aprovado, com registro, e pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) não terem acesso, o que é um segundo absurdo. Isso não acontece em nenhum outro lugar do mundo.

    É uma distorção atrás da outra, sendo necessária a intervenção do Judiciário, que não podendo utilizar critério científico tem que tutelar a saúde. Nos últimos dois anos, a Anvisa negou o registro de quatro drogas na área de onco-hematologia aprovadas nos Estados Unidos e Europa.

    A situação é preocupante, pois ao ter acesso impedido ao medicamento, o paciente recorre ao Judiciário, que fica com uma responsabilidade enorme. Sem contar que esse atraso resulta na morte de muitos pacientes. É necessária transparência no processo.

    A Anvisa poderia dizer que não tem dinheiro, que há outras prioridades. Mas prefere alegar que o estudo está errado, que tem que usar outros dados não solicitados em outros tantos países. A posição é uma agressão.

    Nem 1% dos pacientes com mieloma em recaída conseguirá ter acesso à lenalidomida. O mieloma responde com recidivas e sem o medicamento eficaz para quando isso ocorre o paciente tem que optar pela quimioterapia e outras drogas antigas.

    Vale destacar que o Brasil não tem acesso a 95% das novas drogas apresentadas no congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica deste ano. É como voltar para a Idade da Pedra.

    O câncer é a segunda maior causa de mortalidade no país. A solução é discutir o acesso às novas tecnologias, não travar o registro com base em evidências falsas.

    Não é possível acreditar que 80 países considerem que o medicamento é eficaz e o Brasil não. É inaceitável.

    ANGELO MAIOLINO, 56, é diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) e professor de hematologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

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