Já no tapete vermelho que antecede a cerimônia do Oscar, a atriz Reese Witherspoon demonstrava o quanto celebrações de Hollywood podem conter de político, para além do puro entretenimento.
Entrevistada ao vivo por um repórter do canal americano ABC, a atriz explicou o sentido da campanha #AskHerMore (pergunte mais a ela), criada com o propósito de estimular a formulação de questões menos superficiais para mulheres em eventos dessa natureza.
"Esse é um movimento para dizer que somos mais do que nossos vestidos", afirmou Witherspoon, para em seguida concluir: "É difícil ser uma mulher em Hollywood, ou em qualquer indústria".
No primeiro plano, a declaração pode contrastar com a imagem glamorosa que o cinema americano projeta de suas estrelas, mas a crítica ao sexismo nada tinha de fortuito. Pouco depois, o tema seria retomado num dos momentos de grande destaque da festa.
Ao receber a estatueta pelo papel coadjuvante em "Boyhood", a atriz Patricia Arquette lançou seu manifesto: "É a nossa hora de ter igualdade salarial de uma vez por todas, e iguais direitos para as mulheres nos Estados Unidos".
Ressalvado o fato de que essa luta precisa existir em todos os países, o discurso de Arquette fez jus aos aplausos entusiasmados de Meryl Streep. Embora o movimento feminista batalhe pela equiparação de vencimentos há mais de 50 anos, poucas vezes a bandeira esteve sob tantos holofotes.
Não se trata apenas de remuneração, sem dúvida; a desigualdade de gênero deve ser combatida em todas as suas dimensões. Para continuar com Hollywood: em 87 anos de história, apenas uma mulher levou o Oscar na categoria "melhor diretor(a)", e em apenas 15% dos filmes atrizes desempenharam os papéis principais.
Quanto aos salários, a discussão ganhou força no final do ano passado, quando vazaram e-mails internos da Sony. Descobriu-se, na ocasião, que a premiada Jennifer Lawrence teria direito a uma parte menor dos lucros proporcionados pelo filme "Trapaça" do que seus colegas masculinos.
A indústria cinematográfica poderia dizer que apenas reproduz prática de quase todos os setores da economia. As mulheres de fato recebem menos do que os homens, e amiúde surge o argumento de que a diferença decorre dos desafios impostos pela maternidade.
Conciliar o trabalho com a criação dos filhos não é fácil, mas não está escrito em pedra que a tarefa deve ser sempre da mãe. Se, no entanto, ainda hoje muitos insistem em naturalizar uma questão que é sobretudo social, então a fábrica de fantasia do cinema pode ter muito a contribuir nesse debate.