• Opinião

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    Paulo Nassar e Beatriz Garcia

    O texto e o contexto

    17/08/2017 02h00

    "Triste Bahia! Ó quão dessemelhante", reclamava o poeta Gregório de Matos Guerra, o "boca do inferno", no século 17, no Brasil Colônia, revoltado com a pobreza da sua cidade, outrora rica e então pobre.

    Agora, a pobreza transbordou da Bahia para toda a vasta geografia brasileira e o país antes visto como um lugar de gente feliz, onde as oportunidades se realizavam, passou a ser a personificação da desesperança, dos males da desigualdade e da exclusão social, além, da corrupção, da violência e da instabilidade política.

    Seguramente, foram essas as razões que levaram com que o legado cultural da Olimpíada do Rio não repetisse o que ocorreu em Pequim e Londres, devorado que foi pelas notícias negativas, também com dimensão olímpica.

    O resultado emerge de uma pesquisa realizada pela Universidade de Liverpool em parceria com a Universidade de São Paulo, ao longo de um ano, que concentrou atenções, no noticiário mundial. Tema: "Legado Cultural dos Jogos Olímpicos Rio 2016."

    Em toda a mídia pesquisada, contudo, o noticiário cultural, no contexto da Olimpíada, se eclipsou diante do calor das más notícias. Nessa pira iconoclasta, mas real, queimou-se a imagem usualmente cultivada, mesmo que estereotipada, de um país ensolarado, de gente alegre, cordial e inovadora.

    Essa imagem construtiva não resistiu ao teste da realidade, virou cinzas.

    O texto, que podemos definir como o lado bom da Olimpíada, foi anulado, ou seriamente contaminado, pelo contexto em que contracenaram crise política e recessão econômica. Pelo menos no noticiário pesquisado ao longo de um ano - 311 artigos na principal imprensa no Brasil e 144 na imprensa britânica - o legado cultural foi quase um estrangeiro.

    Os fatos são eloquentes. O Rio de Janeiro, sede da Olimpíada, por exemplo, tornou-se símbolo da falência brasileira e a palavra cultura soa hoje como algo exótico, algo que lembra um paradigma apodrecido.

    A única exceção é o Museu do Amanhã, com mais de dois milhões de visitantes, que se houvesse legado cultural, poderia figurar ao lado do incentivo às artes, do hábito de leitura, da valorização da diversidade, do pensar o mundo.

    Para que fique ainda mais claro: a abertura da Olimpíada correspondeu a uma colossal metáfora da criatividade brasileira, mas foi rapidamente esquecida. Ao lado disso, o noticiário negativo foi abundante.

    Mereceram relevância na mídia brasileira fatos como: a Olimpíada Rio 2016 foi realizada em um momento considerado especialmente inoportuno para o país e o Rio de Janeiro por força da crise financeira e política; as relações entre os jogos e a crise política; o Brasil carece de uma política de Estado para a cultura, e isso se refletiu na Rio 2016. A mídia inglesa foi pelo mesmo caminho. Ambas destacaram o candente problema da violência urbana.
     
    O texto sumiu. Novamente preponderou o contexto. O sentido da narrativa inverteu-se: em lugar de falar da esperança, de futuro e expressar nosso lugar no tempo e no espaço, como diria Paul Ricoeur, está voltada para o caos, a divisão da sociedade e os ressentimentos.

    Tudo isso, alimenta as micronarrativas, principalmente aquelas das redes digitais, e provoca um espiral de intranquilidade e pessimismo.

    O que fazer? O Brasil precisa voltar-se para si mesmo. Pensar com profundidade a política, os representantes da sociedade e fazer reformas. Analisar narrativas que acompanham as experiências de Olimpíadas em outros países.

    Só para ilustrar com um par de exemplos. Um do mundo capitalista, outro do universo socialista. No capitalismo, há o caso da Inglaterra, onde a Olimpíada revelou-se oportunidade para mostrar ao mundo a cultura inglesa, da Revolução Industrial à música e o cinema.

    De outro lado, a China, país milenarmente tido como fechado, encontrou nos Jogos o momento ideal para mostrar ao mundo sua arquitetura, tecnologia e, ainda, os resultados da união do comunismo com o vigor empreendedor do capitalismo.

    E nós? Até quando continuaremos perdendo oportunidades, como foram a Olimpíada e a Copa do Mundo, de nos mostrar como o país das oportunidades? Essa a questão ainda está sem resposta. Ou melhor, a resposta exige uma opção entre ser ou não ser. E, em sendo, como ser.

    Em outras palavras, qual é o caminho para que haja equilíbrio entre texto e contexto, entre as grandes e pequenas narrativas? O desafio da realidade, vital, é deixar para trás a narrativa do triste Brasil, do triste Rio, sem alternativas para sair do seu labirinto.

    PARTICIPAÇÃO

    PAULO NASSAR é professor livre-docente da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP) e diretor da ABERJE (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial.

    BEATRIZ GARCIA é professora da University of Liverpool e diretora do Institute of Cultural Capital (ICC) da University of Liverpool

    PARTICIPAÇÃO

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