• Opinião

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    EDSON LUIZ SAMPEL

    E se não houvesse ocorrido a Reforma?

    31/10/2017 02h00

    Fabrizio Bensch/11.ago.2010/Reuters
    Estátuas de Lutero compõem instalação de 2010 do artista Ottmar Hoerl na praça central de Wittenberg
    Estátuas de Lutero compõem instalação na praça central de Wittenberg, na Alemanha

    Neste 31 de outubro de 2017 comemora-se o quinto centenário da Reforma Protestante, quando Martinho Lutero (1483-1546), membro da Ordem de Santo Agostinho (OSA) —entidade religiosa que existe até hoje— deflagrou a revolta ou o protesto contra as mazelas de clero tão renascentista e, portanto, excessivamente ligado aos prazeres terrenos.

    Tudo começou com a fixação das famosas 95 teses na porta da catedral de Wittenberg, na Alemanha, exprobrando a "venda" de indulgências (31 de outubro de 1517).

    Infelizmente, as diatribes do frade tedesco extrapolaram o repto em favor de mudança no comportamento moral dos eclesiásticos e degeneraram em ataque à doutrina, que já completava 1.500 anos.

    Lutero, o principal prócer da Reforma, não quis executar somente mudanças acidentais, principalmente em prol da moralidade dos padres, mas procedeu a alterações essenciais no ensinamento católico, criando, destarte, nova religião, praticada hoje em dia pelos chamados protestantes ou evangélicos.

    Por exemplo, dos sete sacramentos administrados pela Igreja, Lutero rejeitou todos, salvo o batismo que, mesmo assim, passou a ter interpretação diferente.

    Demais, a gente aprende na escola, nas aulas de história, que a Reforma também aboliu a doutrina da necessidade de boas obras para a salvação, bem como centralizou a fonte da revelação divina unicamente na Bíblia, recusando a tradição como outra vertente da referida revelação.

    De qualquer modo, é preciso dizer que a Reforma só foi possível porque se serviu da imprensa, inventada no século 15.

    Assim, a tese luterana de "somente a escritura" (sola scriptura), desacompanhada da tradição sagrada, ganhou vigor com os milhares de Bíblias que se imprimiram.

    Sem embargo, antes da descoberta do prelo, a Bíblia correspondia à verdadeira biblioteca (ninguém podia ter uma em casa!), ciosamente preservada pela Igreja católica (os monges copistas) e lida, desde os albores do cristianismo, todo domingo, em cada missa, em três diferentes passagens, tomadas do Testamento velho e do Testamento novo. Até hoje é assim.

    E se não tivesse ocorrido a Reforma Protestante? A Igreja católica continuaria, nos dias atuais, a desempenhar o papel de única porta-voz do Evangelho pregado por Jesus há dois mil anos? Dificilmente!

    A Reforma do século 16 realizou-se sob o influxo de exacerbada mentalidade subjetivista, que só recrudesceu desde então.

    Nos tempos hodiernos, quando pululam bastantes seitas religiosas, a par da seriedade da esmagadora maioria dos protestantes e dos católicos, a religião cristã do livro (a Bíblia) implica um certo capital simbólico da fé, o qual –sabemo-lo bem– pode redundar em ganho monetário. Quem não conhece a expressão jocosa "pequenas igrejas, grandes negócios"?

    Desta feita, mesmo que a Reforma jamais existisse, a Bíblia, livro agora barato e de mão (não mais uma biblioteca de papiros), decerto seria açambarcada pela livre interpretação dos que querem fazer dinheiro com a religiosidade e têm fácil esse tesouro, cujo desfrute financeiro requer tão minguado investimento logístico.

    EDSON LUIZ SAMPEL, teólogo, é professor da Faculdade de Direito Canônico "São Paulo Apóstolo", da Arquidiocese de São Paulo

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