• Opinião

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    WALTER MOURA

    Acordar para o acordo

    18/12/2017 08h00

    Antônio Gaudério - 23.mar.1990/Folhapress
    Poupadora chora em frente ao prédio do BC em SP, após Plano Collor confiscar caderneta
    Poupadora chora diante do prédio do BC em SP, após Plano Collor confiscar caderneta, em março de 90

    Faz 30 anos, a economia brasileira experimentava uma de suas piores recessões. A hiperinflação disparava preços que não eram acompanhados pelo poder de compra dos salários. Para conter esse fenômeno, o governo adotou medidas conhecidas como planos econômicos. Em 1987, houve o congelamento trimestral de preços orientado pelo então ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser-Pereira ("Plano Bresser").

    As políticas econômicas posteriores não alcançaram o êxito desejado. A perda mais relevante afetou milhões de brasileiros com dinheiro depositado em conta poupança. Era apenas o começo de um grande pesadelo que se repetiu nos anos de 1989 ("Plano Verão") e 1991 ("Plano Collor II").

    Com a ajuda do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), milhões de poupadores descobriram que a correção de seus depósitos não estava correta. Parte do dinheiro guardado sumiu! O instituto apresentou Ações Civis Públicas (ACPs) para defender na Justiça os consumidores prejudicados.

    As ACPs do Idec condenaram bancos a indenizar todos os poupadores que provassem ter sofrido dano. As financeiras se defenderam nesses processos, mas as condenações foram mantidas.

    Na década de 2000, os tribunais mantiveram o direito dos poupadores. O que se esperava, a partir de então, era que o sistema judiciário convertesse suas decisões em pagamento aos cidadãos.

    Não foi o que aconteceu.

    Bancos deixaram de cumprir as condenações. Preferiram apresentar milhares de recursos judiciais ao STJ e STF. O argumento mais conhecido foi de que a conta seria grande demais para ser paga.

    Em 2009, as instituições bancárias levaram ao STF medidas que, além de suspender por prazo indefinido milhões de execuções Brasil afora, geraram a possibilidade real de os poupadores não receberem nada ao final.

    Em 2010, o STJ extinguiu mais de 1.100 ACPs em todo o Brasil (REsp 1.070.896, do ministro Felipe Salomão). Quase cinco milhões de suas execuções de poupadores foram extintas da noite para o dia. A imprensa pouco repercutiu essa fatídica derrota aos brasileiros.

    Entre 2012 e 2016, o STJ diminuiu o alcance territorial de sentenças de ACPs e eliminou os juros remuneratórios de diversas contas (REsp 1.535.990, do ministro Felipe Salomão).

    Em 2017, o STJ ainda colocou em xeque o direito de todos os poupadores não afiliados ao Idec. O tribunal ainda propôs excluir os juros moratórios, devidos a cada mês de atraso, da dívida dos bancos.

    A redução do valor que a maior parte dos poupadores tinha a receber chegou a 70%. Se os juros de mora fossem excluídos, boa parte só receberia 10% do que foi pedido 20 anos atrás.

    O Idec jamais deixou de defender, da tribuna, todos os poupadores, alcançando êxitos e suportando derrotas. Mas, além das perdas financeiras, os cenários futuros poderiam transformar os 3 milhões de poupadores com processos em pouco mais de 400 mil beneficiários.

    Para milhares de poupadores idosos, acordar do pesadelo e ver o dinheiro efetivamente era sonho cada vez mais distante. Pior ocorreu para grande quantidade que morreu sem ver esses valores.

    No início de 2016, o Idec fez pedido de mediação à Advocacia-Geral da União (AGU). O órgão, que em 2013 defendia os bancos no STF, voltou atrás e assumiu uma postura neutra, disposto a mediar um acordo. O Banco Central também veio à mesa.

    Depois de mais de 50 rodadas de negociações nada fáceis, chegou-se ao consenso do texto levado ao STF.

    Nenhum acordo é ideal, mas neste caso há garantias de que todos os poupadores com ação receberão valores superiores aos piores cenários que os bancos vinham conquistando na Justiça. Em troca do pesadelo permanente, o Idec despertou bancos e representantes de poupadores para acordarem entre si. É para isso que todos devem acordar.

    WALTER MOURA é advogado do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) em Brasília

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