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    Saiba mais sobre Ulysses Guimarães, defensor das Diretas e presidente da Constituinte

    WANDERLEY PREITE SOBRINHO
    colaboração para a Folha Online

    04/10/2008 10h30

    Ulysses Silveira Guimarães é considerado um dos principais políticos do Brasil. Foi a principal figura da campanha pelas eleições diretas para presidente e, até sua morte, o principal político no país redemocratizado.

    Nascido no dia 6 de outubro de 1916, Ulysses Guimarães ingressou na política em 1945 quando se filiou ao PDS, partido pelo qual se elegeu deputado estadual dois anos depois. Em 1950, ganhou a primeira de 11 eleições para deputado federal.

    Fernando Santos/Folha Imagem
    O deputado Ulysses Guimarães discursa em comício pelo movimento "Diretas Já"
    O deputado Ulysses Guimarães discursa em comício pelo movimento "Diretas Já"

    Com a renúncia do então presidente Jânio Quadros, em agosto de 1960, e a posse de João Goulart, Ulysses foi nomeado ministro da Indústria e Comércio pelo novo presidente, cargo que deixou apenas em 1962 para disputar, e ganhar, outro mandato de deputado. Dois anos depois, em 31 março de 1964, Goulart foi deposto por um golpe militar. Ulysses, ao lado de outros parlamentares, ajudou na formulação de um ato constitucional --que deveria ser votado pelo Congresso-- que dava poderes ao Comando Supremo da Revolução.

    Os militares, no entanto, ignoraram o ato e editaram o AI-1 (Ato Institucional nº 1), que estipulava a eleição indireta para presidente da República. Mas o apoio de Ulysses à ditadura não durou muito. Em 1965, a edição do AI-2 (Ato Institucional nº 2) extinguiu os partidos políticos. Como resposta, Ulysses investiu seus esforços na formação do MDB, a sigla de oposição.

    Em 1968, o presidente Costa e Silva outorga o AI-5 (Ato institucional nº 5) e a repressão contra os parlamentares aumenta. Se em 1966 o MDB contava com 21 senadores e 140 deputados, em 1971, quando Ulysses assumiu a presidência do partido, esse número estava reduzido a sete senadores e 87 deputados.

    Foi em meio à idéia de dissolver o partido, que Ulysses, contrário a essa idéia, consolidou sua liderança. Ele foi o responsável por assegurar a sobrevivência do MDB ao costurar a aliança entre os grupos que dividiam o partido. Ele acreditava que era possível derrotar a ditadura por meio das regras criadas por ela mesma.

    "Ele nunca foi cassado porque conseguiu fazer frente aos militares sem nunca extrapolar a oposição consentida", afirma o historiador e cientista político Octaciano Nogueira, professor da UnB (Universidade de Brasília).

    Sua luta contra a ditadura virou um símbolo nacional quando, em 1973, se lançou candidato simbólico à presidência da República. Sua intenção era viajar o Brasil denunciando os crimes da ditadura.

    Lula Marques/Folha Imagem
    Ulysses Guimarães exibe a nova criada Constituição Federal de 1988
    Ulysses Guimarães exibe a nova criada Constituição Federal de 1988

    Em agosto de 1977 foi organizado um movimento oposicionista no Congresso em favor de uma Assembléia Constituinte. No ano seguinte, parte dessa oposição articulou a candidatura do general Euler Bentes Monteiro, que disputaria as eleições indiretas contra o general Figueiredo.

    "Participei de uma reunião com o general Euler em Copacabana. Nesse encontro, ele se dispôs a ser o anticandidato pelo MDB. Transmiti a idéia a Ulysses, que não gostou da idéia", diz o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

    Afastado da campanha, Ulysses se engajou nas eleições para deputados e senadores do MDB. Em um dos comícios, foi cercado por cachorros e por fuzis da polícia. Foi quando fez, de improviso, um de seus discursos mais conhecidos: "Respeitem o presidente da oposição (...) Soldados da minha pátria: baioneta não é voto, cachorro não é urna".

    A eleição direta para governador em 1982 aumentou a mobilização pela escolha direta para presidente da República. Foi nesse momento que Ulysses tornou a dianteira no movimento que ficaria conhecido como Diretas Já.

    "Ele foi responsável pelos discursos mais contundentes", afirma FHC. "Sua especialidade eram as questões institucionais, e não havia momento melhor para se falar no tema do que aquele. Ninguém discutia o que ele dizia. Ele era o grande senhor das ruas. Senhor das Diretas, da pregação consistente e persistente."

    Nesse período, Ulysses participou de comícios em todo o Brasil. Em dezembro de 1983, se declarou mais uma vez candidato à Presidência. A essa altura, a emenda Dante de Oliveira --do deputado de mesmo nome--, que propunha eleições diretas para presidente, já tramitava no Congresso. Para aprová-la, milhões de pessoas saíram às ruas e lotaram os comícios pelas Diretas.

    A emenda, votada no dia 16 de abril, foi derrotada, mas Ulysses preferiu continuar nas ruas contra a realização de eleições diretas em 1984. Essa postura dividiu a oposição. "Eu fui para a tribuna fazer um discurso defendendo a indicação de um candidato nosso para eleger o presidente no colégio eleitoral. Eu tinha certeza de que os militares ganhariam se não bancássemos um candidato e fizéssemos campanha por ele dentro e fora do Congresso", diz o ex-presidente. "A emenda pelas Diretas não havia passado e tínhamos de fazer o que estava ao nosso alcance para não dar mais um mandato aos militares."

    Vencido, o "senhor Diretas" passou a negociar a disputa no colégio eleitoral, composto pelos membros do Congresso e por três delegados indicados pelas assembléias legislativas. "O Ulysses não podia ser nosso candidato. Ele era muito querido nas ruas, mas, para disputar contra os militares, seria mais fácil o Tancredo Neves porque ele era uma das lideranças na oposição com maior trânsito entre os militares", afirma FHC.

    Com a vitória da chapa Tancredo Neves/José Sarney, Ulysses começou a participar da montagem do novo governo. A ele, coube a presidência da Câmara. Na véspera de sua posse, marcada para 15 de março de 1985, Tancredo adoeceu, e quem assumiu a presidência foi o vice José Sarney. Mas para alguns juristas, quem deveria assumir era Ulysses, já que nem o presidente nem o vice haviam sido empossados.

    Sarney tomou posse, mas o homem forte do governo era Ulysses, que participou mais ativamente da composição do governo do que o novo presidente. Sarney, então, começou a distribuir cargos, e Ulysses perdeu apoio dentro do partido. Mesmo assim, foi reeleito deputado em 1986, mesmo ano em que o PMDB --como passou a se chamar o MDB a partir de 1980-- elegeu todos os governadores do país, com exceção de Sergipe.

    No dia 3 de março de 1987, ele é novamente eleito presidente da Câmara e também leva a presidência da Assembléia Nacional Constituinte. Foi o período de maior concentração de poder: Ulysses era presidente do maior partido o Brasil, da Câmara e da Constituinte. No governo Sarney, ocupou a cadeira do presidente 19 vezes, já que era o primeiro na linha sucessória porque Sarney não tinha vice.

    Constituinte

    Para surpresa de muitos, Ulysses passou a defender um mandato de cinco anos para presidente. Medida que acabou entrando na Constituição e que colocou a imagem de Ulysses à de Sarney. Àquela altura, o presidente estava com a popularidade em baixa em razão do fracasso do Cruzado, um plano econômico que prometia pôr fim à hiperinflação no país.

    Em agosto de 1988, uma manifestação que pedia a inclusão de projetos populares à Constituição acabou com gritos de ordem contra o presidente da Constituinte: "Um, dois, três, puxa-saco do Sarney! Traidor!", diziam os manifestantes.

    No dia 5 de outubro daquele ano, a Constituição é promulgada. "Foi a maior consagração da minha vida pública", declarou Ulysses, ao encerrar os trabalhos da Assembléia. "Não foi um ritual, uma liturgia, foi uma explosão de alegria e felicidade."

    Lula Marques/Folha Imagem
    O presidente José Sarney e Ulysses Guimarães cumprimentam-se após a assinatura da promulgação da Constituição de 1988
    O presidente José Sarney e Ulysses Guimarães cumprimentam-se após a assinatura da promulgação da Constituição de 1988

    Declínio

    Com a Constituição aprovada, o próximo passo de Ulysses era conquistar seu grande sonho: a Presidência da República. Mas sua imagem ainda ligada à de Sarney prejudicou a campanha. Em abril, 11 governadores do PMDB pediram a Ulysses que desistisse, já que sua candidatura perdia estatura a cada dia.

    Ele se recusou a abandonar a campanha, e o resultado foi um grande fracasso nas urnas: o desconhecido Fernando Collor de Melo saiu vencedor enquanto o símbolo das Diretas terminou a campanha na sétima colocação, com 4,4% dos votos.

    Em outubro de 1990, ele foi reeleito deputado, mas ficou na 31ª colocação. Ulysses também não disputou a presidência da Câmara e perdeu a presidência do PMDB para Orestes Quércia.

    Seu prestígio só foi retomado em 1992 durante o impeachment de Collor. No início do processo, ele chegou a dar conselhos ao presidente, mas diante das evidências, se afastou. Ele foi um dos responsáveis por um dos principais golpes sofridos por Collor: Ulysses pedia abertamente que a votação do impeachment no Congresso não fosse secreta.

    Essa decisão foi aprovada e, por votação aberta, Collor foi afastado no dia 2 de outubro daquele ano, e em seu lugar assumiu o vice Itamar Franco. Aquela foi sua última vitória. No dia 12 de outubro do mesmo ano, o helicóptero que transportava Ulysses, sua mulher, Ida de Almeida, e o amigo Severo Gomes (ministro da Indústria e Comércio no governo Geisel que rompeu com a ditadura em 1977) caiu no mar de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.

    Eles voltavam para São Paulo depois de um fim de semana prolongado na casa do empresário Luís Eduardo Guinle. O Congresso foi preparado para receber o corpo do político mais importante das últimas décadas, mas ele nunca foi encontrado.

    Para Octaciano, Ulysses, morto aos 76 anos, não deixou sucessor político. "De sua geração não sobrou ninguém", diz. "Ele se tornou uma figura sem paralelo porque teve uma longa vida política e acabou como o porta-voz dos dissidentes e oposicionistas da ditadura, capitalizando as principais iniciativas contra ela."

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