A Constituição Federal em vigor completa 20 anos neste domingo. Promulgada no dia 5 de outubro de 1988, durante o governo do então presidente José Sarney, é a sétima Constituição adotada no país. As anteriores são as de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967.
No dia 1º de fevereiro de 1987, 559 parlamentares começaram os trabalhos para aprovar a nova lei suprema brasileira.
Foram necessários 18 meses de discussões até que a Carta fosse finalmente promulgada no dia 5 de outubro de 1988. Era substituída a Carta Magna imposta pelo regime militar em 1967.
"Aquele momento consolidou o processo democrático brasileiro", afirma o ministro da Defesa, Nelson Jobim. "Mas ela carrega alguns problemas", admite.
Chamada de "Cidadã" por Ulysses Guimarães, a Constituição assegurou garantias sociais, mas completa duas décadas 25% maior do que o texto aprovado pela Assembléia Constituinte de 1988 --quando tinha 245 artigos. A ampliação é resultado das mudanças promovidas no texto pelos parlamentares.
A primeira emenda constitucional foi apresentada um dia depois da sua promulgação, pelo então deputado Amaral Neto --com a sugestão de se aplicar a pena de morte no Brasil para casos de roubo, seqüestro e estupro quando resultassem na morte das vítimas. A polêmica emenda acabou derrubada pelo Congresso.
"A nossa Carta coleciona 40 emendas, enquanto a norte-americana, de 1787, tem menos de 30", afirma o advogado José Artur Lima Gonçalves, professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e especialista em direito constitucional.
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José Richa, José Serra e Mário Covas, entre outros constituintes, durante sessão da Assembléia Constituinte, em agosto de 1988 |
Para o ministro Gilmar Mendes, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), a Constituição recebe tantas emendas porque, quando foi promulgada, ela tentava responder a questões daquele momento histórico. "Os parlamentares achavam que era preciso assegurar todos os direitos na Constituição e não em qualquer lei. Por isso ela é tão detalhista", diz.
Segundo Gonçalves, essa preocupação deixou o texto obsoleto mais rapidamente. Mesmo assim, ele acredita que tenha sido um mal necessário. "A cidadania no Brasil é muito precária. Se a Constituição não for exaustiva, o Estado finge que não entende."
Parlamentarismo
O texto constitucional já nasceu polêmico por provocar rachas entre partidos e parlamentares, que se dividiram entre os favoráveis e os contrários à implementação do parlamentarismo como sistema político brasileiro.
Apesar de muita pressão dos constituintes favoráveis ao fim do presidencialismo, o atual sistema de governo acabou prevalecendo sobre a maioria dos responsáveis pela elaboração do texto.
O constituinte Bonifácio Andrada, que participou ativamente das articulações da Carta, disse que a cautela do presidente da Assembléia Constituinte, Ulysses Guimarães, prevaleceu sobre o grupo parlamentarista.
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Ulysses Guimarães exibe a nova Constituição Federal de 1988 |
"As lideranças do PMDB se reuniram e a maioria concordou que ficasse cinco anos com o [presidente] José Sarney e se implantasse o parlamentarismo. Mas Ulysses, que era um homem cauteloso, disse que só poderia aceitar posicionamento contrário em acordo. Por falta de entendimento, o parlamentarismo caiu", lembrou Andrada.
Conquistas
A Carta trouxe grandes conquistas, como a responsabilização dos agentes públicos por má administração. "Todo administrador, inclusive o presidente, pode ser responsabilizado patrimonialmente", afirma Gonçalves.
A Constituição de 1988 também se preocupou com direitos individuais. "Foi por isso que Ulisses Guimarães a chamou de Cidadã", afirma Jobim. "A Carta aprovou direitos civis e políticos que não têm preço."
Ela também garantiu saúde e seguridade social a todos os brasileiros. "Mas houve alguns desajustes nesse ponto", admite Jobim. "É que o texto constitucional tratou desses direitos, mas não disse como o país arcaria com eles."
Segundo Gonçalves, os parlamentares não tinham experiência administrativa, por isso não pensaram nessa questão. "Não adianta exigir que a União cumpra com obrigações sem atrelar a elas alguma fonte de custeio", diz.
Para Jobim, a Constituição deve ser lembrada pela transparência de sua formulação. "A discussão dos direitos sociais tratados na Carta era vigiada de perto pelo Poder Judiciário e pelo Ministério Público", diz. "A Constituição foi fiscalizada para garantir a vigência dessas liberdades individuais."
Já para o presidente do STF, o ganho é outro: "Estamos vivendo o mais longo período de normalidade. Nenhuma outra Constituição conseguiu produzir um estado tão amplo de tranqüilidade institucional."
Com Agência Senado