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    Sem nome, TFP tenta manter ação política

    RAFAEL CARIELLO
    da Folha de S.Paulo

    13/12/2008 09h37

    Os mais fervorosos representantes da extrema direita católica no país comemoram enfraquecidos, hoje, o centenário de nascimento do idealizador de sua organização.

    Adversários do comunismo, terminaram por receber duros golpes de duas instituições que observadores mais progressistas não costumam associar com o esquerdismo: a Justiça brasileira e a Igreja Católica liderada por João Paulo 2º e Bento 16.

    Enfraquecidos e impedidos por decisão judicial de usar o nome "Tradição, Família e Propriedade"; privados de muitos de seus seguidores mais jovens por uma cisão ocorrida logo após a morte do fundador da organização, Plinio Corrêa de Oliveira (1908-1995); derrotados por grupos dissidentes em disputas semelhantes em pelo menos 7 dos 16 países em que a TFP tinha representantes à época da morte de Oliveira; mas resistentes.

    Há nove dias, precisamente às 20h30, um seleto grupo desses seguidores do fundador da organização se preparava para mais uma reunião semanal, uma espécie de "análise de conjuntura", desta vez tendo em pauta a política européia em relação à eutanásia.

    Um representante da TFP francesa, que também milita na associação "Droit de Naître" ("direito de nascer", contrária ao aborto), tomou o púlpito improvisado para onde todas as cadeiras se voltavam. Antes que a palestra começasse, os cerca de 60 homens ali reunidos, todos vestindo terno e gravata, a maioria com fios brancos de cabelo, rezaram uma Ave Maria em latim. A oração se repetiria ao final da sessão.

    Ladeavam o púlpito dois elegantes abajures e, na extrema direita do orador, uma imagem de Nossa Senhora de Fátima. Num pequeno banco aos seus pés, um livro em homenagem a Oliveira, com uma grande foto do líder na capa, e sua obra "Nobreza e Elites Tradicionais Análogas" nas traduções para o francês e o espanhol.

    A palavra TFP só podia ser pronunciada ali pelos representantes estrangeiros, e apenas em referência à organização em seus países. Na platéia se encontravam alguns dos fundadores da entidade original, em 1960, como d. Bertrand de Orleans e Bragança, 67, trineto de d. Pedro 2º, e Plinio Xavier da Silveira, 77.

    Eles perderam o controle da entidade em 2004, numa disputa judicial que havia começado em 1997. Um grupo dissidente, liderado pelo hoje monsenhor João Scognamiglio Clá Dias, exigiu na Justiça o direito de que as decisões da organização não fossem tomadas apenas pelo pequeno grupo de, então, oito sócios-fundadores remanescentes.

    Os dissidentes perderam em primeira instância, mas ganharam a causa e o controle da TFP em decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo em 2004. Desde então o processo aguarda julgamento final no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

    Entre 2004 e 2006, os sócios-fundadores e seus seguidores se separaram da "nova" TFP e passaram a se denominar "Associação dos Fundadores da TFP". Há dois anos, nova decisão proibiu o uso da sigla pelos fundadores. Eles então passaram a se denominar apenas "Associação dos Fundadores".

    Clá Dias e seus seguidores, também fundadores da associação ligada à Igreja Católica Arautos do Evangelho, são acusados pelos fundadores de terem tomado o controle da entidade que teve seu auge no regime militar (1964-1985) para abandonar a principal característica da TFP: a militância política em defesa intransigente do direito de propriedade e combate a movimentos sociais que ameacem esse princípio.

    Questão secular

    Estudiosos da TFP ouvidos pela Folha confirmam a mudança de ênfase criticada pelos fundadores. "Não percebemos, por parte dos Arautos do Evangelho, muito movimento em relação à questão secular", ou seja, política, diz o historiador Rodrigo Coppe Caldeira, que defendeu na Universidade Federal de Juiz de Fora a dissertação de mestrado sobre Plinio Corrêa de Oliveira. "Fazem algo mais religioso, tradicional."

    "Desde que os Arautos assumiram a TFP, as campanhas [políticas] foram silenciadas", diz a historiadora Gizele Zanotto, que fez doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina sobre a organização. Mesmo o endereço da entidade na internet, ela diz, "ficou quase sem atualizações" desde a mudança na direção.

    Por duas semanas, a Folha fez pedidos de entrevista com a atual diretoria da TFP, ligada aos Arautos do Evangelho, mas não obteve resposta.

    Os fundadores os acusam de tomarem a organização para silenciá-la. Ainda durante a disputa entre os dois grupos, os seguidores de João Clá Dias tiveram a sua nova organização reconhecida, em 2002, pelo papa João Paulo 2º. Com ênfase na evangelização, na defesa de valores tradicionais e ligados à hierarquia da igreja, os Arautos cresceram bastante desde então, estando presentes hoje em quase 70 países.

    Processos de cisão e disputa judicial, como o do Brasil, passaram a acontecer, nos anos 90, em outros países onde atua a TFP. Os fundadores dizem que o silenciamento do caráter político da entidade ocorreu também em países como Canadá, Colômbia, Equador, Bolívia, Argentina, Uruguai e Espanha.

    Para um observador ligado à igreja no Brasil, o processo de cisão nasce como uma questão interna à TFP, mas a recepção que os papas deram aos Arautos --e que terminou por enfraquecer o grupo dos fundadores-- pode ser explicada em parte por certo incômodo da hierarquia da igreja com manifestações de Plinio Corrêa de Oliveira desde os anos 70.

    O fundador da TFP fez críticas ao Vaticano ainda naquela época, por discordar da abertura à modernidade proposta pelo Concílio Vaticano 2º, mas também por ver com grande preocupação movimentações diplomáticas da Santa Sé de aproximação com os países do Leste Europeu.

    Para esse integrante da igreja no Brasil, que prefere não ser identificado, Oliveira tinha enveredado, com essas críticas, por um caminho "francamente cismático", de separação em relação à igreja. A reaproximação do grupo dos Arautos --e sua decisão de se associarem à hierarquia-- teria sido bem recebida por bispos e papas.

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