"Pena alta não resolve nada. O sujeito fica amargurado e sai da prisão pior do que entrou", afirma o juiz federal Fernando Tourinho Neto, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília.
Ele concedeu duas liminares para soltar o empresário Carlinhos Cachoeira --condenado em dezembro a 39 anos e 8 meses de prisão pela Justiça Federal em Goiânia.
Em 2002, o juiz suspendeu a prisão de Jader Barbalho, que era então governador do Pará. Em 2009, ele também suspendeu o afastamento do então governador de Rondônia, Ivo Cassol.
"Dou mais habeas corpus do que nego", afirma.
Andre Borges/Folhapress | ||
Desembargador Tourinho Neto em seu gabinete no Tribunal Regional Federal da 1ª Região |
No Conselho Nacional de Justiça, Tourinho Neto foi opositor da então corregedora, ministra Eliana Calmon.
A partir de 17 de abril, ele deixa a toga, pois atingirá a idade-limite de 70 anos.
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Folha - O sr. é tido como um juiz polêmico. Para muitos, é independente e corajoso; outros o criticam pela facilidade com que concede habeas corpus e breca investigações.
Fernando Tourinho Neto - Polêmico acho que sou. É da minha natureza... [risos]. Geralmente, dou mais habeas corpus do que nego. Entendo que a prisão preventiva só deve ser decretada quando estritamente necessária. Como antecipação de pena, sou contra. Quanto a brecar investigações, não é verdade.
Por que uma mulher que furta margarina fica presa e Cachoeira recorre em liberdade?
Quanto a furtos de pequeno valor, evidentemente é uma excrescência juiz determinar a prisão preventiva. Quanto a Cachoeira, eu neguei o primeiro habeas corpus. Naquele momento, ainda havia conturbação da ordem pública. Depois, concedi outro habeas corpus, pois não havia necessidade de ele ficar numa prisão. E concedi a ordem quando o juiz o condenou a 39 anos e 8 meses e decretou uma prisão provisória por dois anos. Não existe prisão preventiva com tempo marcado.
Não pesou a periculosidade? Juízes sofreram ameaças...
Não. A jurisprudência diz que se o réu está em liberdade e é condenado, pode apelar em liberdade.
Não é ironia um réu acusado de fazer "grampos" ser beneficiado porque as interceptações da polícia foram consideradas provas ilícitas?
O juiz não fundamentou a decisão. Só pode haver a interceptação quando não há outro meio de investigar.
O juiz Alderico Rocha Santos, de Goiás, sugeriu que o sr. teria praticado improbidade.
Entrei com queixa-crime e reclamação perante a corregedoria. Ele disse que eu estava favorecendo Cachoeira.
Em 2002, o mesmo juiz havia anunciado que iria processá-lo por criticar a prisão preventiva de Jader Barbalho.
O governador tinha sido preso e algemado. Concedi a ordem e disse que a decisão dele foi "esdrúxula". Ele achou que era uma ofensa. É aquele afã de prender...
Em 2009, o sr. reverteu decisão que cassava o mandato do então governador Ivo Cassol. Recentemente, a Justiça cassou mandato do senador, sob a acusação de improbidade.
Governador é julgado pelo STJ. Não entrei no mérito.
O sr. poderia citar políticos e empresários que foram condenados graças à sua caneta?
Condenados... Eu não me lembro. Mantive a condenação do "comendador" [João Arcanjo Ribeiro], de Mato Grosso. Mas reduzi a pena.
O sr. realmente acredita que a ministra Eliana Calmon pretendia "destruir a Justiça"?
Eu disse isso. Quando ela afirmou que havia "bandidos de toga", desmoralizou a Justiça. Eliana estava "abafando" [risos]. Ela é fantástica. Ninguém ousava falar contra Eliana. Nem a imprensa.
Em 2010, o sr. absolveu o desembargador do TJ-RJ Roberto Wider, acusado de chefiar a máfia dos cartórios. Em fevereiro, o CNJ aposentou compulsoriamente o juiz.
Não havia então prova consistente para afastá-lo.
O colegiado julgou que havia provas. O sr. manteve o voto?
Mantive. Achei que era o caso de censura.
O sr. pretende advogar?
É a única coisa que sei fazer. Não vou advogar causas como, por exemplo, estupro, tráfico de pessoas, sequestro.
O sr. defenderia Cachoeira?
Seria impossível [risos].