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    Escombros de fazenda no interior de SP revelam passado de admiração ao nazismo

    ANDRÉ CARAMANTE
    ENVIADO ESPECIAL AO INTERIOR DE SP

    17/02/2013 03h00

    Os tijolos que hoje se desprendem de uma velha capelinha da fazenda Cruzeiro do Sul, em Buri (SP), servem como pistas para rastrear como um integrante de um abastado clã do Rio de Janeiro transformou sua propriedade num testemunho de admiração ao nazismo nos anos 1930.

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    Nessa fazenda, os blocos de barro eram feitos com uma suástica estampada.

    Alguns desses tijolos viraram material para pesquisadores, assim como fotografias de bois marcados a ferro quente com o símbolo nazista, bandeiras e uma série de outros documentos encontrados na propriedade em Buri.

    Sérgio Rocha Miranda cuidava da fazenda Cruzeiro do Sul. A propriedade vizinha, a Santa Albertina, ficava sob os cuidados de seu irmão, Oswaldo Rocha Miranda.

    Nela, funcionava uma espécie de fazenda-orfanato para 50 meninos mantidos em um regime quase escravo.

    Com idades entre 9 e 12 anos, esses garotos (somente dois deles brancos) foram entregues a Oswaldo em 1933 e 1934, após decisão judicial.

    Todos haviam sido abandonados no orfanato católico Educandário Romão de Mattos Duarte, no Rio, e foram retirados de lá por Oswaldo com a promessa de terem uma vida melhor, segundo Aloysio Silva, 89, o "menino número 23" da lista de 50.

    "Era uma vida diferente da prometida. Era castigo por tudo, trabalhava muito, até de fazer a mão sangrar", conta Aloysio, o número 23.

    Os irmãos Maurício e Ângela Miranda, herdeiros da Santa Albertina, contestam a versão de que seus dois tios-avôs fossem nazistas que escravizaram os meninos.

    As fazendas, que se espalhavam por área que hoje alcança três municípios, chegaram à família via Luis Rocha Miranda, simpatizante do movimento fascista Ação Integralista Brasileira.

    Pai de Sérgio e Oswaldo, Luis comprou as propriedades do brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar (1794-1857), fundador da PM de São Paulo.

    As primeiras marcas da simpatia de Sérgio pelo nazismo foram descobertas em 1997 pelo tropeiro José Ricardo Rosa Maciel, 55, o Tatão. Dono de espessa barba branca, ele narra a descoberta.

    "Teve uma briga da porcada, que derrubou a parede do chiqueiro. Quando vi o estrago, achei os tijolos com a marca nazista. Passaram anos me chamando de louco, mas agora tá tudo comprovado pelos estudos do doutor Sidney."

    Tatão se refere ao historiador Sidney Aguilar Filho, 45. Em 1998, ele dava aula para a enteada de Tatão quando ela revelou que, na fazenda onde vivia, havia tijolos com aquele "símbolo alemão" das aulas de história.

    Sidney investigou por mais de uma década e, em 2011, apresentou sua tese de doutorado na Unicamp sobre a exploração do trabalho e a violência à infância no país no período de 1930 a 1945.

    "Por muitos anos, aqueles meninos foram submetidos a um regime de trabalho como se fossem adultos, sem remuneração, sem liberdade de ir e vir e estudando pouco. Mas aquilo era aceito pela sociedade", diz ele.

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