Editorial publicado na Folha em 27.mar de 1983.
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No momento em que o processo sucessório toma impulso e sua face pública deixa entrever a complexidade das alternativas que coloca, esta Folha considera oportuno reafirmar aos seus leitores algumas opiniões simples e claras sobre o tema.
Em primeiro lugar, fomos e somos favoráveis a eleições diretas em todos os níveis, inclusive para a Presidência da República. Não só porque nos parece a forma de escolha democrática mais compatível com o sistema presidencialista –e não há sinal de que a substituição desse sistema esteja no horizonte das forças políticas.
Mas também porque, na atual situação de graves dificuldades econômicas e demandas sociais insatisfeitas, tal forma de escolha se apresenta como a mais apta a estabelecer vínculos sólidos de confiança entre governo e sociedade e unir a opinião pública em busca de soluções viáveis para os grandes problemas nacionais.
Segundo, não se pode rigorosamente admitir que as regras vigentes configurem uma eleição indireta, da qual se dissesse que em princípio é tão democrática como a indireta. Falta ao Colégio Eleitoral previsto pela Constituição, antes de tudo, representatividade para escolher em nome do povo, uma vez que sua composição, destinada a garantir a supremacia do PDS, não reflete sequer aproximadamente as tendências do voto popular nas eleições de 1982. Além do que, o intervalo de mais de dois anos que nos separa da reunião desse colégio aumenta a probabilidade de se desencadearem pressões espúrias sobre seus membros e sobre os delegados à Convenção Nacional do partido situacionista, a quem caberá a indicação do candidato virtualmente eleito.
Terceiro, aos que temem o acirramento de disputas partidárias em torno da sucessão por via direta, cabe lembrar que o atual processo indireto não afasta essa possibilidade. Ao contrário, pode tornar o próprio PDS palco de um entrechoque exacerbado de facções, sem garantia que o resultado final será aceito como legítimo pelas demais forças políticas.
Estes e outros argumentos que poderiam ser invocados não têm, por certo, o condão mágico de alterar circunstâncias políticas de fato que tornam pouco provável, a esta altura dos acontecimentos, a hipótese da convocação de eleições diretas para a Presidência em 1985. A alteração do dispositivo constitucional que prevê a escolha indireta depende da vontade de 2/3 do Congresso Nacional.
Qualquer previsão parece temerária, no entanto, tal a soma de fatores imponderáveis que poderão atuar sobre o processo político brasileiro nos próximos dois anos. O que parece certo, entre muitas incertezas, é que o êxito da tese das eleições diretas será tão menos improvável quanto mais firme e abertamente ela seja sustentada pelos setores da opinião pública que lhe são favoráveis. Se tais setores se mostrarem amplamente majoritários, como acreditamos que são, sua vontade constituirá também um fator que não deixará de pesar no curso dos acontecimentos.