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    Rio de Janeiro

    General diz que não pode ser punido pelo caso Riocentro

    BERNARDO MELLO FRANCO
    MARCO ANTONIO MARTINS
    DO RIO

    15/03/2014 03h35

    Denunciado pelo Ministério Público Federal na reabertura das investigações sobre o atentado do Riocentro, cometido em 1981, o general reformado Newton Cruz, 89, diz que não pode mais ser punido por causa do episódio.

    Na primeira entrevista desde o pedido de abertura de ação penal, em fevereiro, ele disse à Folha que se considera protegido pela Lei da Anistia, que perdoou crimes praticados na ditadura militar.

    O general admite que foi avisado com duas horas de antecedência de que militares estavam deixando a sede do DOI-Codi carioca para detonar uma bomba no centro de eventos, onde centenas de jovens assistiriam a um show pelo Dia do Trabalho.

    Ele diz que não tomou nenhuma atitude por entender que a explosão ocorreria na casa de força do Riocentro, sem machucar ninguém.

    Cruz também afirma que estava em Brasília, onde chefiava a agência central do SNI (Serviço Nacional de Informações), e não teria como impedir as explosões à distância. Sua defesa ainda argumenta que os supostos crimes prescreveram, depois de 33 anos.

    O atentado do Riocentro foi um fiasco porque uma das bombas explodiu no estacionamento, num Puma ocupado por dois militares. O sargento Guilherme do Rosário morreu no local.

    O inquérito original, que correu na Justiça Militar, tentou culpar organizações de esquerda pelo episódio. A farsa foi desmontada, mas ninguém foi punido até hoje.

    Na nova denúncia, o Ministério Público Federal pede que Cruz seja condenado a ao menos 36 anos e seis meses de prisão pela suposta prática de quatro crimes: tentativa de homicídio doloso, associação criminosa armada, transporte de explosivos e favorecimento pessoal.

    Os procuradores do caso dizem que a Lei de Anistia não se aplica ao caso Riocentro, já que foi promulgada em 1979, dois anos antes do atentado. Além disso, argumentam que o episódio foi um crime de lesa-humanidade, que não prescreve, segundo normas do direito internacional.

    A acusação diz que o general se tornou coautor do atentado por não ter tomado atitudes para evitá-lo.

    A denúncia diz que, ao saber do plano e de sua execução, Cruz "omitiu-se" diante da possibilidade de que pessoas fossem mortas e feridas.

    A Procuradoria denunciou outros cinco agentes da ditadura, incluindo o capitão Wilson Machado, que estava no carro com Rosário. A Justiça Federal ainda decidirá se abre ação penal contra eles.

    Leia os principais trechos da entrevista de Newton Cruz.

    *

    Folha - O Ministério Público Federal o denunciou na reabertura do caso Riocentro. O senhor participou do planejamento do atentado?
    Newton Cruz - Eu não me envolvi. Em 30 de abril de 1981, era noitinha, mais ou menos 19h, o coronel Ary [Pereira de Carvalho], que era meu chefe de operações, recebeu um telefonema do Rio.
    O [capitão Freddie] Perdigão foi ao DOI saber se havia alguma novidade. Quando chegou, viu um grupo que estava planejando partir para o Riocentro a fim de jogar uma bomba para marcar presença. Seria um protesto contra o que estava se passando lá.
    O Ary saiu dali: "Chefe, eu acabei de receber um telefonema". Quando ele contou, eu raciocinei até dez. O que fazer? Avisar a quem?

    O sr. não poderia ter avisado um superior ou a polícia?
    Como? Avisar o que, se eu não sabia para onde eles estavam indo, o trajeto que iam tomar, onde eles iam lançar a bomba? Como é que eu vou informar a alguém para tomar alguma providência?

    Então, duas horas antes, o sr. sabia que uma equipe estava saindo com a intenção...
    De fazer aquilo que foi comprometido. Não foi a bomba do estacionamento não [a que estourou no colo do sargento Guilherme do Rosário, que morreu no local].

    A denúncia diz que uma bomba foi jogada na casa de força e a que explodiu no Puma, seria jogada contra civis no show.
    A bomba que foi lançada nas proximidades da casa de força é possível que tenha sido apenas para marcar presença. Porque do jeito que ela foi lançada, e pela potencialidade de destruição, não podia fazer efeito nenhum.

    E a bomba que explodiu no Puma e matou o sargento?
    E essa, eu sei dessa? Eu não sei nada dessa. Vai perguntar para mim? Eu nem sabia que tinha alguém lá. Tanto os dois podiam estar no grupo, e saíram para outra coisa, quando podiam não estar no grupo.

    O sr. não poderia ter evitado o atentado do Riocentro?
    Absolutamente! Era impossível! Impossível!
    Fui escalado o bode expiatório da revolução de 1964. Avisar a quem? Aí cerca tudo, e tal, e tinha um tumulto lá? Era o que eles queriam.
    Não havia nem celular nessa época. A bomba da casa de força não tinha possibilidade de prejudicar ninguém. Tanto que não foi nem ouvida no auditório. Foi um ato de presença. Não ia fazer nada.
    Ninguém podia fazer nada. Eu tinha que aguardar. Isso foi uma decisão minha. Minha. Tomada por minha conta, e por que eu achava que para o caso era a melhor decisão.

    A bomba do Puma não poderia ter provocado um tumulto e a morte de pessoas civis?
    Como é que eu vou saber? Os procuradores dizem que atingiu outras pessoas, quem tava perto. Não foi ninguém ferido! Não aconteceu nada. Como eles põem aí, era como se fosse para atingir a área toda. Ninguém reclamou! Trinta anos depois, vão reclamar?

    O que o senhor acha que o capitão Machado, denunciado com o sr., queria fazer com a bomba que explodiu no carro?
    Não sei. E se soubesse, não ia dizer. Ele está denunciado. Quem tem que dizer o que sabe é o procurador. Eu acho que não era para matar ninguém. Era um ato de presença.

    O que é um ato de presença?
    Estava no mesmo nível das bombas que jogavam nas bancas de jornal na época. Toda hora era bomba em banca de jornal. Não era? Eles não estavam saindo do DOI para prejudicar ninguém. Era apenas para marcar presença. Dezenas de bombas existiram.

    Algumas das bombas mataram inocentes, como a secretária Lyda Monteiro, da OAB.
    E daí? Descobriram? O que eu tenho com isso? Se pegarem o responsável, tinham que matar também. Matar não, mas punir rigorosamente. Ora bolas!

    O que a linha dura queria com tantas bombas?
    Não queriam a abertura. É evidente. Exatamente aquela que eu queria. "Tem que ser assim, linha-dura. O regime é esse. Onde é que nós estamos?". O [João] Figueiredo [presidente] ficou possesso.

    O sr. se recusa a chamar o regime de ditadura militar?
    Ditadura, propriamente, não era. Era um regime autoritário forte. Agora, que não era uma democracia, não era. Não existe democracia em que o presidente pode editar ato institucional. Eu acho que a revolução escolheu bem a hora de entrar, mas não a de sair. Com o passar do tempo, o cachimbo entortou a boca. Por isso, saiu escorraçada.

    Qual é sua opinião sobre a Comissão da Verdade?
    Para mim, aquilo é a Comissão da Vingança. Eles estão lá para ouvir só um lado.

    Qual seu voto para presidente?
    Vou repetir meu voto na Dilma. Tem a Dilma no passado e a de hoje. Eu acho que ela está conduzindo bem o país. O país voltou a ser soberano, coisa que não era até o governo do Lula.

    O sr. também votou nele?
    Votei, mas não voto mais, porque o Lula se ajoelhou diante do Paulo Maluf na eleição de São Paulo. Isso eu não posso admitir.

    Editoria de Arte/Folhapress
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