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    Luta armada foi resistência legítima à ditadura militar, diz ex-guerrilheiro

    BERNARDO MELLO FRANCO
    DO RIO

    27/03/2014 03h05

    Daniel Marenco - 11.mar.2014/Folhapress
    O jornalista e ex-guerrilheiro do MR-8 no período militar Cid Benjamin
    O jornalista e ex-guerrilheiro do MR-8 no período militar Cid Benjamin

    Líder estudantil em 1968, o jornalista Cid Benjamin, 65, participou do sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, a mais ousada ação da luta armada.

    Ele diz que a guerrilha foi uma forma legítima de resistência à ditadura militar. "Eu me orgulho de ter participado deste movimento", afirma.

    Preso e exilado por nove anos, Benjamin hoje atua na Comissão da Verdade do Rio e defende que os torturadores sejam julgados por seus crimes. Lançou suas memórias, "Gracias a la Vida" (José Olympio), em 2013.

    *

    Folha - Qual foi o principal motivo do golpe de 1964?
    Cid Benjamin- A mobilização popular em prol das reformas. O Brasil não vivia, nem de longe, uma situação revolucionária. O que havia era uma ampla mobilização por mudanças que mudariam a cara do país e mexeriam com interesses das classes dominantes.
    Vivíamos a Guerra Fria, e os EUA fomentavam golpes em toda a América Latina. Em uma década, a maior parte do continente passou a ser governada por ditaduras.

    Os golpistas diziam que o Brasil caminhava para um regime socialista, com apoio de João Goulart. O que acha disso?
    Quem sustenta que a esquerda estava virando a mesa são os mesmos que levaram Getúlio Vargas ao suicídio, tentaram evitar a posse de Juscelino e do Jango. É risível. Havia um processo legítimo de reformas na democracia.
    A sociedade estava dividida, e o golpe não foi uma quartelada. Parte da esquerda, para facilitar o debate, usa essa concepção. Não é verdade. Havia segmentos significativos da opinião pública favoráveis ao golpe.
    No entanto, mesmo que eles fossem levemente majoritários, isso não dava legitimidade ao golpe. É como se um governo que estivesse abaixo dos 50% de aprovação pudesse ser derrubado.

    Por que Jango não resistiu?
    Jango não era um revolucionário, disposto a se jogar em um projeto às últimas consequências. Imagino que estivesse sob uma pressão muito grande e quisesse, de fato, evitar o derramamento de sangue. É uma preocupação respeitável, mas que não levou em conta o sangue derramado nos 25 anos de ditadura que se sucederiam.

    O sr. pertenceu a uma geração que optou pela luta armada após o AI-5. Por quê?
    A sociedade, em 1968, já era amplamente contrária à ditadura. Pensávamos que o Brasil estava caminhando para uma guerra revolucionária. O Vietnã e a Revolução Cubana eram coisas muito fortes nas nossas cabeças.
    Dado o grau de insatisfação com o regime, a desigualdade e a miséria, pensávamos que um processo de luta armada no campo e na cidade fosse aglutinar mais e mais gente. A longo prazo, constituiríamos um exército popular que poderia fazer a revolução. A história mostrou que nossa perspectiva estava incorreta.

    Como foram as primeiras ações armadas e o sequestro do embaixador americano?
    Apesar da nossa inexperiência, foram um sucesso. A repressão estava despreparada. Os bancos, por exemplo, não tinham portas giratórias. A gente assaltava e levava as armas dos guardinhas.
    O sequestro surgiu da preocupação com os presos políticos, muitos sob tortura. Um dia, estava com o Franklin Martins [ex-ministro no governo Lula] em uma rua de Botafogo e passou o carro do embaixador americano, com as bandeirinhas no capô e sem segurança nenhuma.
    A ideia foi usá-lo como moeda de troca por nossos presos, especialmente o Vladimir [Palmeira, líder estudantil de 1968]. A execução foi muito simples, e a devolução, digna de filme de ação americano. Quando nos livramos da perseguição, tomamos uma cerveja para comemorar o êxito da ação.

    O que fez depois?
    Fiquei dois meses entocado, mas tinha virado a bola da vez. O MR-8 era a organização mais ativa no Rio, e eles sabiam que eu era o responsável pelo setor armado. Quando fui preso, ouvi no DOI-Codi que era o militante com mais ações armadas no Rio. Desde que entrei, comecei a ser torturado.

    Como foram as torturas?
    Ao chegar, sangrava muito na cabeça. Chamaram um médico, Amílcar Lobo, que costurou a frio. Depois, foram dias de tortura. Pau de arara, choque elétrico e afogamento eram o cardápio principal.

    Em seu novo livro, o sr. diz que os torturadores não eram monstros. Por quê?
    Não havia um só um tipo de torturador. Havia os sádicos, perversos, monstros. Mas também havia jovens oficiais do Exército, imbuídos da luta contra o comunismo da Guerra Fria. Não me surpreenderia se hoje alguns estiverem arrependidos do que fizeram.
    Ainda havia os policiais antigos, que eram os melhores torturadores, torturaram bandidos a vida inteira. Eram capazes de sair dali e fazer um churrasco com os amigos, ser bons pais, bons avôs.
    Ao dizer isso, não estou passando a mão na cabeça dos torturadores. Estou mostrando como nossa sociedade é atrasada e permite que eles tenham uma vida social relativamente normal.
    O pior da tortura não são os maus tratos, é que ela tenta desumanizar o ser humano. Através da dor física, procura fazer com que o preso renegue seu sistema de valores, se despersonalize. O objetivo do torturador é quebrar o torturado como pessoa.

    Os torturadores ainda devem ser julgados por seus crimes?
    Um país que não conhece sua história está condenado a repetir seus erros. O Brasil está começando tarde. A ditadura acabou em 1985, e a Comissão da Verdade só foi criada em 2012.
    Os torturadores devem ser julgados e, se culpados, condenados. Não digo isso porque tenha ódio deles, mas porque acredito que o futuro da tortura está ligado ao futuro dos torturadores. Se eles forem condenados, as pessoas vão pensar duas vezes antes de torturar alguém.

    Se não tivesse havido luta armada, a ditadura poderia teria acabado mais cedo?
    Fujo dessa armadilha. É como culpar um torturado pela tortura, ou culpar a resistência por barbaridades dos nazistas em territórios ocupados. A luta armada, embora equivocada politicamente, foi uma parte legítima da resistência à ditadura. Eu me orgulho de ter feito parte deste movimento.

    Leia reportagem multimídia sobre a ditadura militar: folha.com/golpe64

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