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    Votação e derrota da emenda das Diretas-Já completa 30 anos

    RICARDO MENDONÇA
    DE SÃO PAULO

    25/04/2014 03h02

    Há exatos 30 anos, a Câmara se reunia para votar uma emenda que, após duas décadas de ditadura, restabelecia eleição direta para presidente já no ano seguinte.

    A proposta que seria apreciada em 25 de abril de 1984 inspirou a maior campanha cívica da história do Brasil, o movimento das Diretas-Já.

    Políticos, sindicalistas, artistas e esportistas lideraram enormes comícios pelo país em defesa do projeto que acabaria com o jejum de 24 anos sem eleição –o último presidente eleito diretamente era Jânio Quadros, em 1960.

    O movimento era apoiado pela Folha, que publicou seu primeiro editorial sobre o assunto em março de 1983.

    E rejeitado com força pelo governo João Figueiredo, que declarou estado de emergência dias antes da votação, cercou o Congresso com militares na véspera, censurou o noticiário político na TV e chegou a prender dois deputados que votariam no dia seguinte.

    Para a frustração geral, a emenda Dante de Oliveira, deputado do PMDB-MT autor do proposta, não foi aprovada. Foram 298 votos a favor, 22 a menos que o necessário.

    Só 62 deputados votaram contra. Todos do PDS, o partido do regime que até 1979 atendia pelo nome de Arena e ainda formava maioria. Outros 113 simplesmente não foram votar, manobra decisiva para impedir a obtenção dos dois terços necessários para a validação da proposta.

    VIRADA

    Quando a emenda caiu, o planeta vivia o fim da Guerra Fria, confronto que ajuda a explicar o golpe de 1964, que pôs os militares no poder.

    Em 1984 mesmo, a União Soviética boicotaria as Olimpíadas de Los Angeles, EUA, uma resposta à recusa dos americanos em participar dos jogos de Moscou, em 1980.

    No Brasil, a população que ainda não chegava a 130 milhões (hoje são mais de 200 milhões) demonstrava cansaço de uma ditadura que, além do histórico de perseguições e corrupção, já havia torrado todos os créditos do milagre econômico dos anos 70.

    A abertura lenta do presidente Ernesto Geisel (1974-79) estava em curso. Não havia mais tortura ou atos institucionais. Mas não bastava. As marcas econômicas eram dívida externa, desemprego e a inflação do Cruzeiro (Cr$), que passou de 200% em 1984.

    O enterro das diretas acabou sendo a última vitória da ditadura no Congresso.

    Ainda em 1984, o PDS rachou e surgiu o PFL, com governistas que não aceitavam Paulo Maluf como candidato à Presidência no Colégio Eleitoral. Entre os dissidentes estavam Antônio Carlos Magalhães, Aureliano Chaves, Marco Maciel e José Sarney, que viria a ser vice do moderado Tancredo Neves no PMDB.

    Escolhido presidente em 1985, Tancredo morreu logo em seguida. O cargo ficou com Sarney, líder da Arena no período anterior e pemedebista de última hora.

    Alguns derrotados de 1984, como Ulysses Guimarães, Fernando Henrique Cardoso e Lula, acabaram prosperando depois. Em 1988, Ulysses liderou a Constituinte. Em 1994, FHC chegou à Presidência. Em 2002, Lula triunfou.

    Uma forma curiosa de medir a derrota histórica dos vencedores de 1984 é por meio do sistema de CEPs dos Correios, que reúne os nomes de milhares de ruas, avenidas, praças e travessas em todo o país.

    Nesse banco de dados há pelo menos 599 logradouros com variações do nome de Tancredo. É mais que a soma das homenagens a Figueiredo (43), Geisel (50), Garrastazu Médici (141) e Costa e Silva (318), quatro dos cinco presidentes militares.

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    CONTRA AS DIRETAS: 'Prevaleceu a tendência mais prudente'

    Folha - Por que a emenda das diretas não passou?
    Bonifácio - O planejamento dos militares era conseguir lenta e gradual democratização. A emenda de 1978 tirou dos presidentes os atos de exceção. Figueiredo governou sem essas prerrogativas ditatoriais. As diretas eram um apressamento da redemocratização. Prevaleceu a tendência de democratização dentro da programação que os militares estabeleceram. E que estava sendo seguida. Era mais prudente. Ninguém queria correr o risco de retroceder. O próprio Figueiredo era a favor das diretas.

    A pressão do governo era mais forte que a do povo na rua?
    O que era mais forte era o desejo de normalizar a vida do país. Mais forte do que forçar uma posição que pudesse representar algum desequilíbrio. Há, por outro lado, visões críticas. De que Tancredo preferia ser eleito pelo Colégio Eleitoral a disputar o voto popular.

    Tancredo contra as diretas?
    Claro. Era mais fácil. São boatos, boatos.

    Por que o senhor se ausentou daquela votação?
    Confesso o seguinte: eu era a favor das diretas. Mas meu partido estava em outra linha. Hoje eu concluo que era uma posição de prudência. Achavam melhor esperar mais um ou dois anos para não dar força para os militaristas, os que queriam revogar a abertura.

    Seus eleitores não cobraram?
    Na minha região, venho de quatro gerações [de políticos]. O povo me conhece muito bem. Não me cobram nada. Graças a Deus. Só os adversários me cobram.

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    A FAVOR DAS DIRETAS: 'Houve um ato de força das elites para impedir'

    Folha - O que aquela votação representou?
    Leonelli - O que vivenciei foi um movimento com características únicas, uma mobilização que nunca havia sido vista antes. Nem depois. O que surgisse ali nasceria com forte marca popular. Um parto histórico do povo. Teria um caráter fundador para o país.

    Compare com os protestos de junho do ano passado.
    A campanha [de 1984] se espalhou por mais cidades. O volume de pessoas foi muito maior. E com objetivo político definido. E nenhuma vidraça quebrada. Não tinha caráter ingênuo. Era uma campanha para desmoralizar a ditadura.

    E por que não passou?
    Houve um ato de força das elites para impedir. Pouca gente se lembra: declararam estado de emergência, cercaram o Congresso militarmente. Um general [Newton Cruz] prendia e dava chicotada nos carros. A censura. Foram presos deputados um dia antes.

    O PMDB cometeu algum erro?
    Havia a possibilidade de se decretar uma greve geral. Recusamos. Seria o único antídoto para vencer o governo.

    O deputado Andrada sugeriu que Tancredo preferia ser eleito no Colégio Eleitoral, onde a vitória era mais garantida.
    É verdade. Ele era ambíguo. Mas fazia da ambiguidade uma prática política maior. Tinha um pé em cada canoa. Ninguém pode acusar Tancredo de não apoiar as diretas. Enquanto isso, ele transacionava com o regime. Depois usou o impulso das Diretas-Já para derrotar o dinheiro e a corrupção no Colégio Eleitoral. Um gênio.

    Editoria de Arte/Folhapress

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