Vários Márcios disputam entre si, agora, sua própria memória.
Há o Márcio advogado de grandes causas, muitas ingratas, várias perdidas. Mas todas ganham quando através delas se assegurou o contraditório, o direito de defesa, sem os quais o estado democrático não há.
Será que existem causas perdidas de antemão?
Como advogado, foi estrategista.
Definia a diretriz e o próximo lance.
Seu, e do seu adversário também.
Calculava o benefício da vitória e o controle do dano na derrota, ao mesmo tempo.
Sua especialidade foi administração dos riscos das causas arriscadas.
Mas há também o Márcio "Pedro pedreiro", construtor de instituições.
Foi ativista do PT, foi liderança na democratização.
Sem ele, Nelson Jobim e José Jorge, inexistiria o Conselho Nacional de Justiça.
Como interlocutor, ajudou presidentes a criar um novo Supremo pós-1988, muito mais independente.
Deu início a uma Polícia Federal feita de ousadias.
Um dos criadores do Prêmio Innovare.
Avalizou, diante de tendências de ambições nem sempre democráticas, soluções judiciais para crises políticas e éticas.
Não buscou unanimidades em sua vida.
Elegante, foi romano e florentino.
Viveu o nem sempre discreto risco da vida. Decidiu não ser um observador. Preferiu agir. Existe mais esperança do que agir?
* JOAQUIM FALCÃO é doutor em educação pela Université de Génève, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), e bacharel em Direito pela PUC-RJ. É diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro e foi Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça de junho de 2005 a junho de 2009