Alvo das investigações sobre as perdas causadas pela compra da refinaria de Pasadena (EUA), o ex-presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli diz achar "uma bobagem" impedir que os diretores da estatal sejam indicados por partidos políticos.
"Por que o dirigente de uma empresa não pode ter filiação partidária?", pergunta. Ele acha que a disputa por cargos nas estatais reflete o desejo dos partidos de influir em decisões do governo, e não deveria ser vista a princípio como sinal de corrupção.
Em entrevista à Folha, Gabrielli defendeu sua gestão na Petrobras, que presidiu por seis anos. Aos 65 anos, ele se aposentou em janeiro, quando deixou o cargo que ocupava no governo da Bahia desde sua saída da Petrobras.
Gabrielli apoiou a decisão da estatal de não contabilizar no balanço as perdas provocadas pelo esquema de corrupção descoberto na empresa. "É quase impossível mensurar em balanço a corrupção se você não prova", diz.
Raul Spinassé - 12.fev.2015/Folhapress | ||
Gabrielli durante a entrevista à Folha, em Salvador |
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Folha - A presidente Dilma acusa a Petrobras, na época em que o senhor era presidente, de ter fornecido ao conselho da estatal um parecer sobre Pasadena que ela classificou de "técnica e juridicamente falho". Houve erro de procedimento?
A decisão de comprar uma refinaria no exterior vem de 1998 e tinha uma lógica: o mercado brasileiro de derivados estava estagnado e a havia perspectiva de crescer o petróleo. Buscar refino no exterior era uma estratégia adequada naquele momento. O acordo com a Astra tinha duas cláusulas que não foram apresentadas nem à diretoria nem ao conselho. Se fossem apresentadas ao conselho, mudaria a decisão? Acho que dificilmente mudaria. A cláusula put é comum entre empresas que se associam. A Marlin é uma cláusula de garantia para o sócio, mas nunca foi efetivada.
Acha, então, que o parecer foi correto?
Não existe um parecer único sobre isso. O que existe é que há uma disponibilização dos documentos para os dirigentes e há um resumo executivo, onde não constavam essas duas cláusulas. Não é questão de ser correto ou não. Agora, no estatuto da Petrobras está muito claro que o conselho de administração pode decidir sobre a aquisição de empresas. Eu era membro do conselho de administração, eu tenho responsabilidade [sobre Pasadena]. Não é uma questão de defesa pessoal minha. É uma questão de considerar o estatuto da empresa. Minha responsabilidade é como conselheiro. E defendo que a decisão foi certa. Tinha que comprar mesmo. Não existe esse prejuízo que o ministro [do TCU] José Jorge diz que tem.
Considera que há erros no voto do TCU sobre Pasadena?
O ministro José Jorge foi motivado politicamente. Ele montou uma comissão de cinco auditores que passou três meses na Petrobras e viu que não havia assimetria no preço da refinaria. Mas ele ignorou esse relatório e pediu um novo, que chegou a conclusões semelhantes. Então ele pede a um assessor de confiança dele um novo relatório, que foi feito em 30 dias e sem ir à Petrobras, e fundamenta o voto. Só posso entender que a
O ex-ministro Jorge Hage afirmou que houve má-fé na compra da refinaria. Também acha que ele agiu politicamente?
Acho que o ministro Jorge Hage foi induzido ao erro pelo TCE, foi induzido ao erro pelo ministro José Jorge.
A Petrobras abandonou projetos de refinarias no Ceará e Maranhão, além de outros que havia abraçado por decisão política do governo. Acha que, na sua gestão, a empresa tentou dar passos maiores que as próprias pernas?
Não. Uma refinaria leva entre seis e sete anos para ser construída. Você tem que tomar uma decisão antecipando que você acha que vai acontecer com o mercado. Se nesse período, há mudança, você ajusta o ritmo do investimento. E é o que está acontecendo hoje. A Petrobras atrasou as refinarias por razões diversas como imaturidade inicial do projeto, aquecimento do mercado das empreiteiras, mudança do regime de chuvas, dentre outros. Um motivo muito importante foi o reconhecimento da Petrobras que o conhecimento tecnológico dela para construir refinarias tinha ficado no passado. A última refinaria grande construída pela Petrobras foi em 1980.
Mas acha que foi prudente construir quatro refinarias simultaneamente?
O problema não é ser prudente fazer quatro refinarias, o problema é que o mercado estava crescendo a 60%. E se você não fizer, você tem que importar derivados a preços altos, criando um déficit na balança comercial brasileira. Por outro lado, por pressão do Conselho de Administração, o preço da gasolina e do diesel teve que ser segurado por um bom tempo, o que fez com que houvesse uma redução no caixa da Petrobras, que importava por um valor maior do que vendia. Isso porque faltava refino internamente. Então, se você olhar, ao longo do tempo, não foi errado tentar fazer quatro refinarias. Você pode dizer que a gente poderia fazer mais lentamente as quatro.
Não acha que essa interferência política foi danosa para a empresa?
Não acho que foi interferência política. O que interferiu foi a expectativa do mercado crescer. O mercado nordestino cresceu mais que o mercado brasileiro. Havia uma defasagem muito grande entre oferta e demanda de derivados no Nordeste que era muito grande, tinha que diminuir. Então, a escolha por refinarias no Nordeste tem a ver com mercado. Mas é claro que todos os governadores vão pressionar para ter uma refinaria no seu Estado porque não gera só emprego e renda, mas gera receita. O Estado pressiona para isso. Mas me parece correto fazer as quatro refinarias do Nordeste. Mas escolha não foi política, foi uma escolha de necessidade do mercado.
Mas não houve um açodamento para fazer essas refinarias? Por exemplo, a Petrobras iniciou a construção da refinaria Abreu e Lima sem um projeto detalhado, ou com "uma conta de padeiro", como disse Paulo Roberto Costa. O custo multiplicou por dez.
É uma figura de imagem equivocada que ele [Paulo Roberto Costa] fez. Aquilo não foi uma conta de padeiro. Acontece que a última refinaria construída foi em 1980 e houve uma desmontagem da engenharia da Petrobras até 2003. E aí em 2005 você inicia um projeto de refinaria retomando a capacidade técnica da engenharia da Petrobras. Evidentemente que você vai fazer um projeto fraco, você não tem expertise suficiente para isso. Talvez um dos erros importantes dessa fase preliminar e divulgar uma estimativa de valor [de US$ 2,45 bilhões] que não tinha nada a ver com a realidade do Brasil. Não tinha nem licitação, era uma fase pré-conceitual. Na fase conceitual, que é a seguinte, o valor foi para US$ 9 bilhões, esse sim um valor compatível com o cenário internacional da época. Mas aí você vai para o mercado e enfrenta um cenário de aquecimento, limitação do conteúdo nacional e variação do câmbio. Um conjunto de coisas que interfere no preço.
Mas o senhor acha razoável o preço final de Abreu e Lima, que foi US$ 25 bilhões?
Não acho razoável. O valor final está muito alto. Mas eu acho que a maior parte das questões de preço podem ser explicadas pelas circunstâncias de uma refinaria pioneira no Estado de Pernambuco.
A corrupção entra nesta conta?
Não acho que seja só isso. É possível que tenha, Paulo Roberto [Costa] está confessando que fez isso. Mas o que é que ele diz: ele diz que os custos foram feitos de acordo com o mercado, o BDI, que é o lucro das empreiteiras, foi feito de acordo com as regras da Petrobras, a licitação foi feita dentro das regras previstas e mutreta aconteceu fora da Petrobras, na relação com empresas que pagaram através de um doleiro que não tinha nada a ver com a Petrobras. Isso é o que ele diz no depoimento dele.
Não acha que havia uma triangulação e que a Petrobras era uma das pontas?
Não há triangulação. Se você faz uma negociação fora da Petrobras, como é que lá dentro se descobre? Não há possibilidade de descobrir isso. Por isso a dificuldade da Petrobras de colocar no balanço. Não há como mensurar isso [a corrupção], a não ser que a polícia descubra o crime. Um comportamento criminal é a polícia que descobre, não a empresa.
O senhor também tomaria a decisão de não publicar o custo da corrupção no balanço da Petrobras?
É quase impossível mensurar em balanço a corrupção se você não prova a corrupção. Constatada e provada a corrupção, você tem que abater o valor da empresa. Mas é depois da constatação. Não tem sentido fazer provisão de corrupção. Mensurar corrupção, genericamente, é um absurdo.
As investigações sugerem que as empreiteiras tinham grande influência na definição de regras contratuais. É normal que seja assim?
Acho legítimo que uma associação de empreiteiros [Associação Brasileira de Engenharia Industrial] discuta cláusulas gerais, não específicas, em contratos que se referem a todas as empreiteiras. Não vejo isso como formação de cartel. Não é um problema, desde que não seja uma discussão sobre um contrato específico. É uma discussão normal no mundo dos negócios.
Acha que os controles internos da Petrobras falharam?
É um sistema de controles que envolve três mil pessoas e que as principais auditorias colocaram como legítimo e correto nos últimos seis anos. Não posso dizer que os controles não estão bons. O tratamento da confissão de Paulo Roberto Costa não pode ser sistêmico. É um caso pontual e tem que ser tratado com um caso de polícia. Não se deve generalizar.
Funcionários que decidiram colaborar com as investigações, como Venina Velosa e Frenando de castro Sá, disseram que foram perseguidos depois de apontar irregularidades na empresa.
Eu acho isso interessante. A imprensa hoje tem um deus. O acusador é o deus. Tudo que o acusador fala é verdade. Invertemos a lógica constitucional de que as pessoas em princípio são inocentes. Venina está inventado uma série de histórias. Eu acredito que para se cobrir. O que ela provou? Tudo que ela diz é de ouvir falar. Francisco Sá também fala de boatos e isso vira verdade.
Mas porque acha que há referências ao senhor partindo de Venina, Francisco Sá, Barusco...
E falo de uma empresa que tem três mil gerentes e você está falando de dois ou três. São pessoas que estão se cobrindo de alguma coisa. A Venina, por exemplo, nas acusações que ela faz contra mim, ela era a responsável. Geovane [de Morais] era subordinada a ela. É mentirosa a acusação.
Geovane de Morais foi indicado pelo PT para o cargo?
Ele é funcionário de carreira, não foi indicado por ninguém. Ele não tinha nenhuma relação com o PT e eu não tinha relação nenhuma de amizade com ele. Agora, para a imprensa, ser petista e ser sindicalista virou crime. Não pode ser isso, é um absurdo.
Em depoimento, Barusco afirma que o PT teria ficado com um valor entre 150 milhões e 200 milhões entre 2003 e 2013 em propinas fruto contratos da Petrobras. Tinha conhecimento disso?
Esse valor equivale mais ou menos à contribuição legal que o PT recebeu. O financiamento legal para partido não que dizer que houve corrupção. Há uma criminalização em cima de hipóteses. Não há provas de que houve propina para contribuição [de campanha]. Houve um volume que Barusco está falando e um volume que o PT diz que recebeu legalmente.
Mas o senhor não acha que o financiamento de campanha do país não passa por esses grandes contratos, como os da Petrobras?
Acho que não passa diretamente. [O financiamento] passa pela potencialidade de um de bom relacionamento do Estado com os fornecedores do Estado. Não acho que seja dominante um processo de toma lá dá cá.
Não acha que há uma relação de causa e consequência?
Genericamente, há. Por isso sou a favor do financiamento público de campanha. Mas não acredito que as empresas financiem A em relação ao projeto B. Mas financia A porque há vários projetos no futuro em que A pode me ajudar. Isso numa situação genérica.
Se não há uma relação direta, porque acha que os partidos têm essa fome toda por cargos de diretoria numa empresa como a Petrobras?
A fome dos cargos é para que os partidos influam no que o Estado faz. Não necessariamente é corrupção. Não acho que a corrupção é generalizada no país. Não acho que o mundo político é generalizadamente corrupto. Existem indivíduos corruptos e caso a caso têm que ser tratados pela polícia. Corrupção não é um caso de empresa, nem de política. É um caso de polícia.
Mas não acha que cargos de diretoria da Petrobras deveriam ser blindados de indicações políticas?
Isso é uma bobagem. O que você tem que fazer é que a diretoria aja tecnicamente. Mas você cassar o direito político do dirigente de uma empresa é um absurdo. Porque o dirigente de uma empresa não pode ter uma filiação partidária. Claro que pode, o que não pode é usar o cargo para ajudar o partido.
O que achou da indicação e Bendine para a presidência da Petrobras?
Ao escolher Bendine, o Conselho de Administração escolheu um profissional que tem experiência nas áreas contábil, bancária e que tem capacidade de mobilização de equipe. São os três elementos que me parecem mais importantes para um dirigente da Petrobras enfrentar a crise neste momento.
Como viu a saída de Graça Foster do cargo. Acha que foi uma demissão injusta?
Eu não vou comentar sobre isso.
Como acha que o PT deve enfrentar essa crise com os escândalos da Petrobras?
O partido tem que voltar mais as atividades para o movimento social. Tem que avançar em alguns temas que são espinhosos como a taxação de grandes fortunas e quem vai pagar o custo do ajuste fiscal. Vamos ter que fazer escolhas importantes. Já o governo é diferente do partido, o governo é de coalização, envolve vários partidos que não necessariamente vão ter a mesma posição.
Acha que a presidente ouvir mais o partido?
A presidente ouve o partido. Mas sou um simples cidadão, na planície, aposentado. Não vou falar sobre o que a presidente deve fazer.
Olhando para trás, acha que foi melhor você não ter sido candidato ao governo da Bahia em 2014?
Eu levei minha candidatura até o limite. Achava que era o melhor candidato, mas o PT disse que não. Também acho que Rui Costa está fazendo um bom início de mandato. Mas não vou falar sobre tese, é muito complicado.
Ainda deseja disputar eleições?
Sou um homem aposentado de 65 anos. Não tenho nenhuma pretensão de disputar cargos. Vou continuar militante de base do PT e ajudar a formar novos quadros.
Como vê a oposição falar abertamente em impeachment da presidente Dilma?
A oposição perdeu no jogo e está querendo ganhar no tapetão. Acho que o movimento social vai responder. Vamos voltar para as ruas e defender não necessariamente o governo, mas os projetos que são bons para o país.
Se sente injustiçado?
O que mais me afeta pessoalmente, neste momento, é que não tem nenhuma acusação direta contra mim e eu sou constantemente chamado a falar. Eu me sinto crucificado pela imprensa. Meu direito de defesa é nulo.