A associação de juízes federais fez um recuo e alterou o seu projeto de lei para reduzir a impunidade dos que praticam crimes graves, principalmente os de corrupção, e passou a defender a pena de prisão após o julgamento em segunda instância, e não em primeira instância.
Atualmente a sentença só é definitiva após passar por três graus de recursos: segundo grau, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.
"Somos abertos ao diálogo", disse à Folha o presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais), Antonio Bochenek. "Sentimos que havia um consenso maior para que a prisão fosse adotada a partir do julgamento em segunda instância".
O juiz federal Sergio Moro, que atua nos processos da Operação Lava Jato e apoiador da ideia, afirmou à Folha que, "embora a Ajufe acredite no projeto original, entendemos que, após a repercussão havida após a sua divulgação, ser conveniente adotar uma posição intermediária, com a imposição da prisão como regra a partir de uma condenação, por crimes graves, por um tribunal de apelação".
De acordo com o juiz, a alteração visa "lograr maior apoio e consenso na sociedade e no Congresso para aprovação da medida", classificada por ele como "essencial para garantir maior efetividade do processo penal e proteção dos direitos da vítima e da sociedade, sem afetar significativamente os direitos do acusado".
O projeto de lei inclui essa medida para que os chamados crimes graves, como homicídio, tráfico de drogas, corrupção, lavagem de dinheiro e terrorismo, entre outros.
Segundo o presidente da Ajufe, essa medida já vigora para os réus que estão presos provisoriamente por homicídio e tráfico de drogas, o que representa 40% dos presos. O país tem 570 mil presos.
O projeto prevê que a prisão poderá ser suspensa por um tribunal superior.
Moro e o presidente da Ajufe publicaram um artigo no jornal "O Estado de S. Paulo" em 29 de março no qual prescreviam uma espécie de tratamento de "choque" no sistema judicial, criticavam a morosidade da Justiça e defendiam a prisão após o julgamento em primeira instância.
Moro já defendia a pena de prisão em casos em que o dinheiro público desviado ainda não havia sido recuperado. Segundo o artigo, a proposta não viola o princípio de presunção de inocência, prevista na Constituição. Eles citavam como exemplo de países que adotam a sistemática da prisão a partir da condenação em segunda instância "dois berços da presunção da inocência": os Estados Unidos e a França.
O projeto original da associação dos juízes teve origem num encontro realizado no ano passado pela Enncla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro), que teve a participação de representantes do executivo, do legislativo e do judiciário.
O projeto da entidade é similar ao que foi proposto pelo então ministro do Supremo Tribunal Federal César Peluzo, em 2011. Peluzo defendia que uma sentença fosse considerada definitiva (o que no jargão jurídico é chamado de "trânsito em julgado") depois da decisão de segunda instância.
O objetivo de Peluzo era reduzir o número de ações em julgamento no Supremo. Enquanto nos EUA o Supremo julga cerca de 100 processos por ano, no Brasil a Corte tomou 114.403 decisões no ano passado.
"O Brasil é totalmente fora do padrão", diz Oscar Vilhena, diretor da escola de direito da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador do Supremo. Segundo ele, só Índia e México tem três instâncias de recursos, como o Brasil. O "duplo grau de jurisdição é o padrão internacional. Isso está previsto em convenção das Nações Unidas. A função do Supremo é organizar o sistema judicial, não julgar casos individuais".
A sobrecarga do Supremo no Brasil, segundo ele, decorre de uma omissão da Constituição, que fala genericamente "em direitos inerentes aos recursos inerentes ao processo".
O advogado Celso Vilardi critica a proposta dos juízes por considerar que projeto de lei não pode alterar cláusulas pétreas da Constituição, como a que prevê o princípio da presunção de inocência. "Acho surpreendente que magistrados proponham mudanças em direitos fundamentais sem mudar a Constituição".
Para Vilardi, teria de haver uma nova Constituinte para mudar uma cláusula pétrea da Constituição.