Figura de destaque na transição da ditadura para a democracia e, na sequência, ministro do Exército no governo José Sarney (1985-1990), o general da reserva Leônidas Pires Gonçalves morreu nesta quinta (4) aos 94 anos, no Rio.
No final da ditadura, sob o governo do general João Baptista Figueiredo, Gonçalves era comandante do 3º Exército, com sede em Porto Alegre.
Embora alguns historiadores tenham atribuído a ele o papel de garantidor da posse de Sarney após a morte de Tancredo Neves, instante crucial da transição, não há registro de articulação golpista relevante naquele 1985.
Poucos duvidam, porém, que Gonçalves desempenharia esse papel caso surgisse um movimento de resistência.
Em 1982, promovido a general-de-divisão, Gonçalves chegou a ser citado como possível sucessor de Figueiredo, segundo o Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (FGV).
Foi quando declarou que a democracia era "uma tarefa sem fim e um objetivo da revolução de 1964", expressão que usava para designar o golpe.
Marcos Vinício - fev.88/Folhapress | ||
O general e ex-ministro Leônidas Pires Gonçalves, em reunião do alto comando do Exército, em 1988 |
Na carreira militar, Gonçalves testemunhou alguns dos momentos mais decisivos da história política do país.
Em 1945, quando o general Álcio Souto e o então major Ernesto Geisel entravam no Palácio da Guanabara para destituir Getúlio Vargas da Presidência, o ajudante-de-ordens Gonçalves os acompanhava na incursão. Ele chegou a trocar palavras com o próprio Vargas, que, afável mesmo na queda, disse que se lembrava de seu pai, médico.
Em 1964, na iminência da queda de João Goulart, o tenente-coronel Gonçalves estava ao lado do gabinete de Castelo Branco, que logo depois tomaria o poder. Ali, chegou a presenciar um diálogo entre Geisel e Costa e Silva, em que o segundo assegurava que seria ele quem assumiria "essa coisa toda". Assumiu, mas só três anos depois, em 1967.
RECADO
Gonçalves foi escolhido para ser ministro do Exército por Tancredo. Sarney o manteve. Dois meses após a posse, o novo ministro advertiu que os militares deveriam se abster de comentários políticos.
Era um claro recado a um oficial que, dias antes, questionado sobre o papel do governo na negociação de uma greve, respondeu que "cacete não é santo, mas faz milagres".
O período coincide com a cessão de eventos que o jornalista Elio Gaspari costuma chamar de "anarquia militar", cuja expressão mais visível na época era a sequência de explosões de bancas de jornal.
O mesmo Gonçalves, porém, prestou solidariedade ao coronel Brilhante Ustra quando o então adido militar no Uruguai foi publicamente acusado pela deputada Bete Mendes de ter sido seu torturador.
Em entrevista à Folha em 2014, Gonçalves disse discordar da interpretação prevalecente sobre o golpe de 1964. "A verdade é filha do poder. Nós, militares, nunca fomos intrusos da história. Mas, infelizmente, a história contada hoje é mentirosa", disse.
Ele reconheceu que houve torturas, mas com ressalvas: "Houve [tortura]. Você não controla a raça humana. Não gosto de falar sobre o tema [...] acho que temos problemas maiores no país para ficarmos olhando para trás. Não entendo por quê se discute tanto uma coisa do passado, há 50 anos. Você quer parar o país por causa de quatro, cinco mortos? Eles ganharam no tapetão. Não querem falar da subversão da esquerda [...] A revolução não foi limpinha, nós também cometemos equívocos".
Em nota, Sarney lamentou a morte do general e destacou sua importância na mudança do regime. "Sua participação na transição democrática foi decisiva e a ele devemos grande parte da extinção do militarismo -a agregação do poder militar ao poder político", disse.
Gonçalves "pacificou o Exército", disse Sarney. "[Ele] reconduziu os militares aos seus deveres profissionais."
Gonçalves deixa esposa, dois filhos, quatro netos e sete bisnetos. O velório será neste sábado no Palácio Duque de Caxias, no Rio. A cremação será por volta das 13 horas no crematório São Francisco Xavier, no bairro do Caju.
Colaborou Rubens Valente, de Brasília