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    folha, 95 anos

    Para criadora do jornalismo literário, internet é tediosa

    THAIS BILENKY
    DE NOVA YORK

    28/02/2016 02h00

    Ana Carolina Fernandes/Folhapress
    Lilian Ross participa de almoço na Festa Literária Internacional de Paraty, no Rio de Janeiro
    Lillian Ross participa de almoço na Festa Literária Internacional de Paraty, no Rio de Janeiro

    A Segunda Guerra Mundial esvaziou Redações com seus repórteres enviados para o combate. Editores refratários a contratar mulheres se viram obrigados a ceder. Harold Ross, fundador da "New Yorker", foi um deles.

    Em 1945, a chefe de um pequeno jornal chamado "PM" foi convidada a integrar a equipe da revista, mas declinou. Em seu lugar, indicou uma repórter de 18 anos que tinha lá os seus talentos.

    Quando Lillian Ross (que não é parente de Harold Ross) chegou à "New Yorker", em 1945, foi escalada para escrever para a seção "Talk of the Town". Ganhava menos que os homens e, como todos, precisava escrever na primeira pessoa do plural, uma forma, segundo ela, de disfarçar o gênero do autor.

    Ainda assim, o texto, que nem assinado era, passava por canetadas masculinas.

    Muito rapidamente, aquele "nós" perdeu lugar. Com uma capacidade de escuta privilegiada e certo charme travesso, Lillian foi criando o próprio estilo, marcado por espontaneidade. Ignorar sua presença nos textos, concluiu, seria desonesto.

    "Antes e ainda hoje, sempre falo para aqueles sobre quem pretendo escrever que o farei", conta ela à Folha, agora aos 89 anos.

    "Eles podem não entender inteiramente que sou uma escritora, mas sabem que não sou eles. Sempre estou presente em tudo o que escrevo. É subentendido."

    A reflexão seria fundamental para um grande feito seu.

    Em 1950, convidada pelo cineasta John Huston para acompanhar em Hollywood as filmagens de "A Glória de um Covarde", Lillian percebeu que o diretor e outros três envolvidos davam belos personagens. "Por que não escrevo sobre a produção do filme na forma de um romance?", consultou, em carta, o editor William Shawn.

    Uma série de reportagens, que, no fundo, destrinchou o papel do dinheiro e do ego na indústria cinematográfica, foi publicada pela revista ao longo de cinco números, em 1952. Um burburinho nos círculos de leitores esperava a chegada de cada um.

    A presença da repórter em momentos íntimos e decisivos possibilitou um relato tão detalhado que parecia criação. Mas não era.

    No fim daquele ano, os textos foram reunidos no livro "Filme", que viria a ser chamado por gente como o escritor Norman Mailer de o primeiro romance de não ficção, gênero que inspirou Truman Capote a escrever "A Sangue Frio" e se tornar um ícone do jornalismo literário.

    "'Filme' foi divertido e fascinante de escrever", diz a autora, "porque eu estava inventando algo: usar pessoas reais como personagens em uma situação coletiva. A forma ficcional".

    PREGUIÇA

    O jornalismo de Lillian é para poucos. A americana escreve sobre quem gosta e costuma agradar a personagens e leitores. Mas nem sempre.

    O perfil de Ernest Hemingway, um clássico seu, deliciou o escritor, mas foi atacado pelo público, que o considerou insultante. "As pessoas acharam que, ao descrevê-lo precisamente, eu o estava ridicularizando. Mas eu gostava dele exatamente do jeito que ele era e sou feliz por tê-lo retratado assim", conta Lillian no prefácio de "Reporting Always", uma coletânea de textos escritos para a "New Yorker", publicada no ano passado.

    Com a possibilidade de passar longos períodos dedicada a uma história, a jornalista escapou da sina de prazos apertados e textos burocráticos. Imagine o que a balbúrdia da internet lhe parece, do alto de suas sete décadas de profissão feita à mão. "Em geral, tediosa. Preguiçosa e sem brilho."

    Lillian Ross consome informação por meio do jornal "The New York Times", de redes de televisão e, claro, da "New Yorker". Com filtros. Notícias exclusivas, notícias cotidianas, notícias que logo perdem atualidade não lhe saltam aos olhos.

    "Leio os textos longos. Furos, como tal, não me interessam", afirma a americana nesta entrevista feita, pois é, por e-mail. "A escrita boa, original, fresca e engraçada, esta sempre sobreviverá."

    No prefácio, Lillian Ross relata a resposta que deu a um repórter que perguntou a ela sobre o que faria caso a pessoa sobre quem estivesse escrevendo negasse acesso ou informação.

    Fácil, ela diz. "Nunca quis escrever sobre quem não o quisesse. Nunca quis estar onde não era bem-vinda."

    Seu manual inclui ainda: 1) escrever somente o que pode ser observado –"Nunca aquilo que o sujeito 'deve' estar pensando"; 2) não usar gravador –"A tagarelice literal com frequência obscurece a verdade. Prefiro tomar nota e confiar no meu ouvido para revelar o personagem e seu humor".

    Agora, ela observa, "com essa mania de 'realidade' isso, 'realidade' aquilo, posso dizer que essa abordagem nunca me falhou". Para ela, "palavras transcritas do gravador ou o que se vê nos chamados 'reality shows' podem até ser uma versão da realidade, mas também uma distorção da verdade".

    No fundo, o que sempre buscou é a inocência de cada um.

    Se incumbida de cobrir as eleições presidenciais americanas, a repórter diz que escreveria "sobre os políticos, como eles são", apesar de não estimá-los. "Eles são desanimadores." Mas hão de ter sua inocência. Hão de ter.

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