• Poder

    Friday, 29-Mar-2024 03:05:37 -03

    Lava Jato

    Depoimento forçado de Lula causa controvérsia entre juristas

    MARIO CESAR CARVALHO
    JOHANNA NUBLAT
    DE SÃO PAULO

    05/03/2016 12h23

    A condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para depor tornou-se o ponto mais polêmico da 24ª fase da Operação Lava Jato. A medida foi criticada duramente por advogados e especialistas e defendida por procuradores e um jurista.

    A crítica mais severa à decisão do juiz federal Sergio Moro partiu do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo.

    "Condução coercitiva? Eu não compreendi. Só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão que resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado", afirmou à colunista da Folha Mônica Bergamo. "Vamos consertar o Brasil. Mas não vamos atropelar. O atropelamento não conduz a coisa alguma."

    O juiz Moro argumentou que optou pela condução coercitiva para evitar tumultos, como ocorreu em fevereiro no fórum onde Lula prestaria depoimento.

    Especialistas, no entanto, afirmam que a coerção só deve ser aplicada após uma negativa de comparecimento.

    "Todo juiz criminal tem competência para expedir mandados de condução coercitiva no curso de uma investigação penal. Agora, há uma regra lógica, que a coercitividade se faça necessária", afirmou o ex-ministro do Supremo Carlos Ayres Britto.

    Ele avalia que Moro se baseou em razões de ordem prática para tentar evitar tumulto, o que "sinaliza prudência por parte do magistrado, e não ímpeto persecutório".

    "O Moro é um juiz competente, apartidário. O juízo que tenho de Moro não me autoriza a dizer que ele buscou a espetacularização. Nada obstante, foi o que aconteceu."

    Para Rubens Glezer, professor de direito constitucional da FGV-SP, pode ter havido uma avaliação equivocada da parte de Moro. "Houve conflito social, que aponta para uma iminente escalada. Pode ter sido uma avaliação equivocada de consequências. Na dúvida, se houver conflito entre consequências desejadas e uma certa regra, o juiz tem que se pautar pela regra. A regra tem autoridade certa, e a consequência é inimaginável", argumenta.

    Nelio Machado, advogado que tem cliente na Lava Jato, diz que o juiz não deveria avaliar os impactos de uma decisão. "Ele tem de se preocupar se a medida é legal ou ilegal. A condução coercitiva de um ex-presidente passou dos limites, parece coisa medieval."

    O professor de direito penal da USP Renato de Mello Silveira avalia que a condução coercitiva deve ser sempre excepcional. "Nesse quadro lógico me parece equivocada qualquer condução coercitiva."

    O professor diz que o modelo usado por Moro"parece uma simples justificativa para a legitimação da violência estatal, o que é inadmissível."

    O advogado Antonio Claudio Mariz de Oliveira vai além e avalia que a decisão foi ilegal. "A lei diz que essa medida só pode ser aplicada quando o investigado é intimado, não vai e não justifica por que não foi. O Moro está decidindo contra a lei." A alternativa para evitar o tumulto, sugere, seria uma intimação sigilosa para Lula depor.

    APOIO À DECISÃO

    A coerção não era necessária "do ponto de vista estritamente jurídico", segundo o jurista Ives Gandra da Silva Martins, mas se ampara em precedentes recentes do ex-presidente Lula, que foi à Justiça esta semana para evitar ser conduzido coercitivamente a um depoimento no Ministério Público de São Paulo.

    "Tenho a impressão que a PF não fez isso para desfigurar a imagem do ex-presidente Lula, mas para garantir que ele falasse. Foi mera cautela."

    Em nota, a Associação Nacional dos Procuradores da República defendeu o juiz. "A condução coercitiva é instrumento de investigação previsto no ordenamento e foi autorizada no caso do ex-presidente Lula de forma justificada e absolutamente proporcional, para ser aplicada apenas se o investigado eventualmente se recusasse a acompanhar a autoridade policial para depoimento penal".

    O delegado Igor Romário de Paula, que coordena a investigação da Operação Lava Jato na PF, diz que Moro se preocupou com a exposição de Lula e de sua família, tanto pelo lado pessoal quanto pelo possível uso político.

    A medida, porém, não deve provocar abalos na Lava Jato, diz Nelio Machado. "Nenhum tribunal reconhece nulidade na fase de inquérito. Não é da tradição brasileira."

    Editoria de Arte/Folhapress

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024