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    Morte na Lava Jato

    Últimos dias de Teori foram de praia e pequenos prazeres, dizem amigos

    FABIO VICTOR
    DE SÃO PAULO

    21/01/2017 23h30

    Aos 68 anos, Teori Zavascki dedicava-se a aprender inglês. Fumava charutos, bebia vinho e cerveja, andava se encantando por Portugal. Não que na vida privada fosse outro –era o mesmo homem discreto. Mas se despia da reserva e da frieza que via como imposições do cargo e virava um homem demasiado comum, dizem amigos.

    Os que conviveram com o ministro do Supremo Tribunal Federal nos últimos anos e até poucos dias antes da sua morte, num desastre aéreo na última quinta no mar de Paraty (RJ), o descrevem como um sujeito leal, fiel e afável.

    Nas férias ainda em curso do recesso judiciário, Teori alugou uma casa num condomínio na praia em Xangri-lá, no litoral gaúcho, onde reuniu seus três filhos e cinco netos.

    Em 7 de janeiro, um sábado, foi sozinho almoçar na casa do advogado e ex-ministro do STJ Ruy Rosado de Aguiar, num condomínio em Atlântida, um balneário próximo. Estavam também a desembargadora federal Marga Tessler (do Tribunal Regional Federal da 4ª Região) e o marido dela, o médico Breno Tessler, e o advogado e desembargador federal aposentado José Luiz Borges Germano da Silva, um dos amigos mais próximos de Teori.

    Reprodução/Claudio Brito/Facebook
    Teori e amigos, entre eles o ex-ministro Nelson Jobim (à esq.), em Barra do Ribeiro (RS), há 1 ano
    Teori e amigos, entre eles o ex-ministro Nelson Jobim (à esq.), em Barra do Ribeiro (RS), há um ano

    "Ele estava bem, disse que já tinha descansado. Como é muito reservado, não se falou de Brasília. O único comentário [sobre a relatoria da Lava Jato] foi sobre como ele estava tranquilo e administrando bem tanta pressão. Mas falamos sobre a vida", relata Germano. "Teori nos contou que estava estudando inglês, e o ministro Ruy disse que também estava. Eu contei que estava aprendendo alemão e que é bem mais difícil."

    "Falamos de viagens, de vinhos, coisas de amigos", acrescenta o advogado. "Achei até que ele fosse aproveitar o fim das férias para dar um pulo em Lisboa. Ele estava aprendendo a gostar Portugal."

    Teori comentou que participava de uma "confraria do charuto" em Porto Alegre, com amigos que se reuniam para "fumar e fazer fofoca", brincou Germano.

    Um dos integrantes da confraria é o advogado Paulo Odone, presidente do PPS-RS e ex-presidente do Grêmio, amigo de Teori por mais de 40 anos. Conheceram-se quando o ministro do STF, estudante de direito no final dos anos 1960, estagiou num escritório de advocacia de Odone.

    Foi um dos últimos amigos a encontrá-lo. Teori e Odone jantaram na última terça (17) no restaurante japonês Sakura, no bairro de Higienópolis, em Porto Alegre. O ministro foi com a enteada, Mariana, filha de sua segunda mulher, Maria Helena.

    Após a morte de Maria Helena, de câncer, em 2013, Teori passou a morar sozinho com Mariana, estudante de direito, no apartamento onde os três viviam no bairro Bela Vista (em Brasília morava sozinho, num apartamento funcional na asa Sul). Graças às duas, vidradas por comida japonesa, o magistrado tomou gosto pela culinária oriental.

    Naquela noite no Sakura, também estavam na mesa a mulher de Odone, Niúra, e o advogado e jornalista Fernando Ernesto Corrêa. "Foi um jantar natural, de pessoa comum. Comemos comida japonesa, tomamos saquê de entrada, depois uma cervejinha gelada", lembra Odone.

    Um dos temas foi futebol e o Grêmio, o time de coração dos dois. "Falou-se que ele não veio à decisão da Copa do Brasil, contra Atlético-MG [vencida pelo Grêmio em dezembro]. Aí ele lembrou que, quando o Grêmio estava na segunda divisão e eu era presidente, ele foi a um jogo contra o Gama em Brasília. Ele ia aos jogos. Só não foi à "Batalha dos Aflitos" [jogo lendário em que o Grêmio bateu o Náutico no Recife em 2005 e passou à Série A de 2006] porque tinha um compromisso da magistratura", conta o amigo.

    "Vocês tratam dele como um turrão, mas era uma pessoa simples. Atuava com dureza e correção dentro dos autos. Mas nas férias era uma pessoa como nós. Botava uma bermuda, um chinelo e tomava uma cervejinha."

    Na terça à noite, Teori nada falou sobre ir a Paraty. "Foi a última vez que o vi. Demos um abraço e dissemos até breve", relata Odone.

    DOIS MUNDOS

    Os amigos de longos anos do Sul não têm conexão alguma nem informações sobre a amizade entre Teori e Carlos Alberto Filgueiras, o empresário dono do avião em que os dois viajavam, de quem o ministro se tornou próximo há pouco tempo. "Eu não conhecia [Filgueiras] nem sabia dessa amizade", diz Odone.

    Começou por causa do hotel Emiliano, do qual Filgueiras é proprietário, onde Teori se hospedou por muitos anos quando estava em São Paulo. Amigos contam que Maria Helena, a segunda mulher de Teori, adorava o Emiliano.

    Durante o tratamento de câncer de Maria Helena, nos primeiros anos desta década, a amizade entre os dois se estreitou, ainda que fossem diametralmente opostos.

    Filgueiras, 69, era mulherengo, espalhafatoso, festeiro. Mas o que mais, além do gosto por charutos, os aproximava?

    Um amigo de Brasília, que pediu para não ser identificado, tem uma interpretação original: "Com o Carlos Alberto, o Teori tinha a possibilidade de frequentar um universo radicalmente diferente, de viver uma vida diferente".

    Filgueiras figura como parte em cinco ações no STF, todas já conclusas, nenhuma distribuída a Teori. Na mais recente, com despacho de 13 de dezembro de 2016, o ministro Edson Fachin negou habeas corpus do empresário para trancar uma ação penal por crime ambiental que corre no STJ. O Ministério Público Federal processou Filgueiras por construção irregular na Ilha das Almas, uma Área de Proteção Ambiental em Paraty.

    Em 2006, quando era ministro do STJ, Teori, como relator da ação, negou um recurso da Prefeitura de São Paulo, relativo a débitos de IPTU, numa decisão em favor de Filgueiras.

    Quem frequentava o círculo privado do ministro descarta a possibilidade de que ele pudesse dar vazão a eventuais lobbies envolvendo processos judiciais.

    "Não tem como, não tem como", diz José Luiz Borges Germano da Silva, que menciona almoços entre advogados em que Teori fazia questão de pagar a própria conta.

    FAZENDA

    A Ilha das Almas é próxima à fazenda de Filgueiras em Paraty, onde ele e Teori iriam passar o fim de semana com a massoterapeuta Maíra Lidiane Panas Helatczuk, 23, e a mãe dela, Maria Hilda Panas, 55.

    O avião decolou às 13h01 da quinta ao aeroporto do Campo de Marte, em São Paulo. Caiu no mar quando se preparava para pousar em Paraty, por volta de 13h30.

    Chovia na hora da queda, o que alimenta a hipótese de que o piloto possa ter se desorientado espacialmente. A Aeronáutica, a Polícia Federal e a Polícia Civil do RJ investigam as causas do acidente.

    Na quarta, ainda em Porto Alegre, Teori esteve no escritório dos dois filhos advogados. Na quinta, foi o último a chegar ao aeroporto, às 12h50, acompanhado de dois seguranças.

    Filgueiras chegara bem antes do ministro, dirigindo o próprio carro, uma SW4 preta, SUV da Toyota. O comandante Osmar Rodrigues foi com uma Saveiro vermelha, da Volkswagen. Mãe e filha esperavam no local desde as 9h.

    No início da noite de sexta, os carros do piloto e do empresário permaneciam estacionados em frente ao hangar no Campo de Marte.

    Vídeo mostra sobrevoo em local de acidente

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