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    Na USP, Moraes perdeu concursos e foi acusado de defender tortura

    THAIS BILENKY
    DE SÃO PAULO

    06/02/2017 14h24

    Andressa Anholete - 3.fev.2017/AFP
    Alexandre de Moraes (à dir.) foi escolhido pelo presidente Michel Temer para o Supremo
    Alexandre de Moraes (à dir.) foi escolhido pelo presidente Michel Temer para o Supremo

    Escolhido para o STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Alexandre de Moraes (Justiça) perdeu concurso de professor titular da USP para o seu possível colega Ricardo Lewandowski, foi reprovado por uma examinadora na livre-docência e é acusado por alunos de ter relativizado a tortura em sala de aula.

    Ele nega. À época, 2004, disse que introduziu questionamentos teóricos comuns e teve a fala distorcida. "O histórico acadêmico e profissional do ministro demonstram sua incansável luta contra a tortura, tanto em seus livros, quanto nos cargos que ocupou", disse sua assessoria, em nota.

    O ministro da Justiça afirmou ainda que "a alegação de ter defendido tortura foi considerada absurda na época por todos os alunos efetivamente presentes a aula".

    Ao longo de sua trajetória, a faceta política e a acadêmica se encontraram.

    Admiradores, inclusive da própria Faculdade de Direito, afirmam que Moraes é prodigioso e bem articulado. Derrotas em concursos são relativamente comuns, ponderam.

    Os três docentes e quatro ex-estudantes ouvidos pela reportagem não quiseram ser identificados.

    A POLÊMICA DA TORTURA

    A vida universitária de Alexandre de Moraes já começou agitada.

    Ele perdeu o concurso de ingresso na USP para Virgílio Afonso da Silva, hoje professor titular da faculdade. Então professor de cursinho, tentou novamente e conseguiu.

    Pouco depois, uma aula para o quinto ano, em 2004, reverberaria em Brasília.

    No curso, o professor introduziu uma discussão retórica sobre o uso da tortura para obtenção de informação sensível.

    "Sabendo-se que há uma bomba em plena praça São Pedro, por onde passará o papa, e é preso um terrorista que se recusa a falar onde ela está", introduziu Moraes.

    "No limite, é admissível a obtenção de informação mediante tortura a fim de evitar a morte das pessoas na praça?", continuou.

    "Sendo um dos integrantes de um grupo de sequestradores detidos pela polícia e estando a vítima ainda em poder dos demais, no limite é admissível torturar o detido a fim de que se descubra o local em que a vítima e os demais sequestradores se encontram?", acrescentou.

    À época, o teor da fala do professor causou alvoroço entre estudantes.

    Acionado, o Centro Acadêmica XI de Agosto publicou uma nota contra o professor.

    O documento chegou ao Senado e, no ano seguinte, seu conteúdo foi debatido na Comissão de Constituição e Justiça durante a sabatina de Moraes para o Conselho Nacional de Justiça.

    O candidato se defendeu, dizendo que os alunos tiraram os pontos de interrogação ao final de seus questionamentos e distorceram sua fala.

    "Nada justifica a quebra de qualquer inviolabilidade de qualquer liberdade pública, porque isso poderia gerar inúmeros abusos", reagiu, na sabatina.

    Dois alunos que estavam na sala, ouvidos pela Folha na condição de terem a identidade preservada, disseram que Moraes não apresentou argumentos contrários à tortura como método de investigação. Por isso, causou o furor.

    Uma semana depois da sabatina, o plenário do Senado vetou o seu nome para o CNJ. Mas, em movimento que foi visto como manobra do PSDB e PFL, partidos aos quais Moraes é ligado (hoje é filiado ao primeiro), a Casa voltou a examinar sua indicação e a aprovou.

    NOTA ZERO

    Moraes já foi comparado a outros ministros do tribunal.

    Ele perdeu o concurso de professor titular para Ricardo Lewandowski, em 2003. Ficou em quarto e último lugar, com nota 8,66, enquanto o vencedor obteve 9,82.

    Na prova de livre-docência, em 2002, outra polêmica. A examinadora Odete Medauar deu nota zero ao postulante. Ela entendeu que a tese de Moraes não tinha consistência teórica, segundo lembram docentes da faculdade.

    À Folha, a professora disse que a tese estava, "vamos dizer assim, deixando a desejar. Mas isso não significa que o professor Alexandre não tenha competência".

    "Ele tem competência para exercer tanto o seu cargo atual quanto para qualquer outro", afirmou Medauar.

    A média geral de Moraes na livre-docência, contabilizadas as notas dos outros quatro examinadores, foi 7,08. A mesma banca deu notas 9,7 e 9,6 aos outros dois candidatos que prestaram o concurso junto com Moraes.

    OUTRO LADO

    A assessoria do ministro disse, sobre a polêmica da tortura, que "essa falsa notícia foi abordada durante sabatina que o aprovou no CNJ, em 2005, e totalmente descartada".

    "Quando secretário de Justiça e presidente da Febem [hoje Fundação Casa], Alexandre de Moraes foi responsável pela prisão em flagrante de 30 monitores da instituição por agressão e tortura de menores, demonstrando na prática o que sempre defendeu na teoria."

    Reportagem do jornal "O Estado de S.Paulo" desta segunda-feira (6) afirma que, em sua tese de doutorado, Moraes defendeu que o presidente da República não possa indicar ao Supremo quem exerce cargos de confiança, como é o seu caso, para evitar "demonstração de gratidão política".

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