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    Dodge precisa retomar o debate sobre Lei da Anistia, diz procuradora do MPF

    JOELMIR TAVARES
    DE SÃO PAULO

    01/08/2017 02h00

    Diego Padgurschi/Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL 26-07-2017: Eugênia Gonzaga, do Ministério Público Federal, é presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos da Presidência da República, defende a reinterpretação da lei, que anistiou crimes cometidos durante a ditadura militar. (Diego Padgurschi /Folhapress - PODER)
    A procuradora regional Eugênia Gonzaga no seu gabinete, em unidade do MPF em São Paulo

    A previsão de que a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, resgate a discussão sobre a revisão da Lei da Anistia trouxe esperança para a colega de instituição Eugênia Gonzaga, procuradora do MPF (Ministério Público Federal) em São Paulo.

    Presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Presidência da República e autora de ações contra agentes da ditadura militar, Gonzaga defende que o Judiciário se debruce com urgência sobre a reinterpretação da lei.

    O texto, de 1979, concedeu perdão para crimes cometidos por representantes do governo e também por militantes que lutavam contra o regime.

    Em 2010, o STF reafirmou a validade da lei. No mesmo ano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos sentenciou que o Estado brasileiro deveria buscar punição para os crimes cometidos por seus agentes no combate à Guerrilha do Araguaia (1972-1975).

    Pelo entendimento, crimes que têm caráter permanente, como ocultação de cadáver, e que representam graves violações de direitos humanos não são abrangidos pela lei.

    O histórico de Dodge no MPF tem sintonia com a visão da Corte. Ela, que toma posse em setembro, já se declarou favorável à persecução penal de crimes do período e tem indicado que o tema será uma das prioridades de sua gestão.

    Outra corrente pensa que a lei brasileira e a decisão do STF se sobrepõem à condenação do órgão da Organização dos Estados Americanos.

    A substituta de Rodrigo Janot preferiu não comentar o tema antes da posse.

    *

    Folha - Qual é a situação da Lei da Anistia atualmente?

    Eugênia Gonzaga - O STF decidiu em 2010 pela validade da lei, houve embargos de declaração e na sequência a abertura de um outro processo. Ambos estão sob a relatoria do ministro Luiz Fux e parados. Com isso, travou tudo. Os juízes suspenderam as ações para esperar pronunciamento da corte. Diante da omissão do STF, temos denúncias rejeitadas e ações pendentes de apelação.

    Qual é hoje a posição do MPF?

    [Rodrigo] Janot institucionalmente sempre foi a favor da reinterpretação. Seus pareceres indicam que o conceito de crime contra a humanidade é aplicável no Brasil. Mas nunca chegou a formular postura mais firme diante de Fux.

    Como a nova PGR pode atuar?

    A Raquel foi a primeira na cúpula do MPF, mesmo num período em que o PGR, Roberto Gurgel, era contra, a apoiar [a reinterpretação da lei]. O que espero é que ela, por esse histórico, ajude a destravar a questão no MPF. Que peça ao ministro [Fux] a designação de uma audiência pública. E que o Supremo amadureça o tema, leve isso para debate, assim como foi no caso do aborto de fetos anencéfalos.

    Mesmo assim, há a chance de o STF barrar de novo a revisão.

    Sim, mas aí ele vai ter que se justificar perante a Corte. Está ruim para o STF a posição de não respeitar a decisão. O Poder Judiciário brasileiro está solenemente ignorando a determinação. As ações estão paradas, réus e testemunhas estão morrendo. Quanto mais o Supremo demora para decidir, mais propicia a impunidade.

    Que caminhos o Supremo poderia tomar?

    Ele poderia dizer: "Olha, Corte, não vamos cumprir sua decisão", o que deixaria o país numa situação extremamente desconfortável.

    E se optar por cumprir?

    É só declarar que a Lei da Anistia não se aplica aos crimes de graves lesões a direitos humanos, como entendeu a Corte. Não é preciso revogá-la. E isso não significa que da noite para o dia a pessoa vai estar condenada. Ela pode se defender. Mas é necessário que haja os processos.

    A lei então pode ser mantida?

    Sim. Ela é válida, foi um pacto, para apaziguar. A Corte não falou que a lei é inválida. Falou que não se aplica a certos crimes, como homicídio, ocultação de cadáver, tortura.

    A sra. espera que a decisão do STF possa ser diferente?

    Hoje as cabeças são diferentes. Pode ser que tenha uma decisão favorável. E o STF estaria simplesmente dando cumprimento a uma decisão externa. Não ficaria nem nas costas dos ministros. Cabe também à União levar esse assunto adiante.

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