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    Grupo ignora autoridades e faz autodemarcação de área no Pará

    FABIANO MAISONNAVE
    ENVIADO ESPECIAL A MONTANHA E MANGABAL (PA)

    03/12/2017 02h00

    Na clareira aberta na floresta, a cerca de 200 km de Itaituba (PA), a cidade mais próxima, o líder comunitário Ageu Lobo tenta explicar aos garimpeiros por que a presença deles ali é ilegal.

    "Tem uma decisão judicial que proíbe esse tipo de atividade dentro de Montanha e Mangabal. Aqui é um assentamento agroextrativista", diz Lobo a dois garimpeiros cabisbaixos, encostados em uma motobomba parada.

    Contrariado, um deles dá a entender que não aceita sair dali: "Aqui foi Deus que deixou pra nós. Ninguém nasceu com um palmo de terra nas costas. Mas Ele vai descer pra resolver, vamos ver quem é o poderoso aqui embaixo."

    Não faltam casos de conflitos violentos envolvendo garimpeiros, mas o líder comunitário estava bem protegido. Durante cinco dias, um grupo de moradores do assentamento, apoiados por guerreiros indígenas, percorreu 17,5 km de floresta para fazer a "autodelimitação" do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Montanha e Mangabal.

    Esta foi a segunda etapa da autodemarcação. Na primeira, em setembro, foram percorridos 18 km. A terceira e última fase, com cerca de 30 km, ficou para o início do ano que vem, completando um total de 68 km.

    A portaria de criação do PAE, onde há 101 famílias cadastradas, foi assinada em setembro de 2013, mas o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) até agora não fez sequer o georreferenciamento dos 54,4 mil hectares, quase um terço do município de São Paulo.

    Sem isso, dizem os moradores, a área fica mais vulnerável a invasores, além de atrasar a implantação de projetos extrativistas, como manejo florestal e extração de palmito.

    Cansados de esperar o PAE sair do papel, os "beiradeiros", assim chamados por morarem às margens do rio Tapajós, decidiram assumir a tarefa, marcando os limites do território por meio de placas improvisadas e de uma picada aberta ao longo da divisa.

    A iniciativa tem precedente. Em 2014, os vizinhos mundurucus afixaram placas nos limites da Terra Indígena Sawré Muybu, do outro lado do rio Tapajós. A área tem parecer favorável da Funai, mas o processo está parado.

    A autodemarcação no Tapajós tem atraído o interesse de lideranças de outras regiões da Amazônia, principalmente indígenas –pressionado pela bancada ruralista, o governo Michel Temer (PMDB) não demarcou nenhuma nova área, mesmo as que estão em tramitação avançada.

    Um dos sete indígenas do rio Trombetas presentes, Joventino Caxuiana, 55, viajou três dias de barco e de ônibus para acompanhar a autodemarcação. Com GPS, ele ia no grupo da frente para aprender a usar o equipamento.

    No ano que vem, ainda sem data, ele quer repetir a experiência na Terra Indígena Caxuiana-Tunaiana, de 2,2 milhões de hectares, no município de Oriximiná (norte do Pará). A área foi delimitada por laudo da Funai, mas o processo também está paralisado em Brasília.

    "Em 1968, fomos levados pelos militares e pelos missionários para a fronteira com o Suriname", explica Caxuiana. "No começo dos anos 2000, voltamos para retomar o nosso território sem o apoio de ninguém, e agora estamos nessa luta."

    Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Montanha e Mangabal
    Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Montanha e Mangabal

    HIDRELÉTRICAS

    Estabelecidas há pelo menos 150 anos, segundo registros históricos, as comunidades de Montanha e Mangabal se espalham ao longo de uma faixa de 70 km do rio Tapajós.

    Para Lobo, cuja família mora ali há sete gerações, a autodemarcação tem três objetivos: inibir invasões de grileiros, garimpeiros e madeireiros, pressionar o Incra a implantar políticas públicas e marcar posição contra grandes projetos hidrelétricos no Tapajós.

    Nos últimos anos, os beiradeiros superaram desconfianças históricas com os mundurucus para combater as hidrelétricas, o grande inimigo em comum.

    Uma delas, São Luiz do Tapajós, é a maior usina em planejamento no país. Orçada em R$ 30,6 bi, sua capacidade prevista seria suficiente para abastecer uma cidade de ao menos 8,5 milhões de pessoas.

    Em 2016, o Ibama suspendeu o licenciamento por causa de impactos "irreversíveis" aos mundurucus apontados em parecer da Funai, mas a Eletrobras apresentou recurso, ainda sem resposta. Com capacidade menor, o projeto da usina Jatobá fica dentro do território do assentamento.

    Pressionado, o superintende regional do Incra, Mário da Silva Costa, realizou uma audiência pública no último dia 17. Ele se comprometeu a fazer o georreferenciamento, incluindo a instalação de marcos oficiais. Prometeu também recuperar a estrada de 22 km que liga a comunidade à Transamazônica.

    Mário é irmão do deputado federal Wladimir Costa (SD-PA), que ganhou projeção pela defesa ferrenha de Temer –chegou a fazer uma suposta tatuagem em homenagem ao presidente.

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