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    Criado em 1972, orelhão começa a sumir da cidade após resolução

    LUCCA ROSSI
    DE SÃO PAULO

    13/03/2012 11h47

    "Capacete de astronauta, secador de cabelos, ôvo [sic] de dinossauro, orelhão." Parte de um anúncio da Companhia Telefônica Brasileira, empresa de telefonia de São Paulo
    e outros Estados até o início dos anos 1970, a frase alardeava a chegada dos novos telefones públicos à capital em um anúncio na edição da Folha de 25 de janeiro de 1972.

    A explicação era acompanhada de uma foto da novidade: "A CTB dá à cidade, como presente de aniversário, 170 modernos telefones públicos, antecipando os apelidos que êles [sic] fatalmente receberão".

    Isadora Brant/Folhapress
    Orelhão exposto na Bienal de Arquitetura de 1973 hoje está na casa da família da inventora, no Morumbi, na zona oeste
    Orelhão exposto na Bienal de Arquitetura de 1973 hoje está na casa da família da inventora, no Morumbi, na zona oeste

    Como previam os publicitários, o apelido pegou. Projetado no início dos anos 1970 por Chu Ming Silveira --arquiteta chinesa radicada no Brasil ainda adolescente e que morreu em 1997, aos 56 anos--, o orelhão se espalhou pelo país e, 40 anos depois, segue como símbolo do mobiliário urbano.

    No ano de sua criação, a CTB registrava 4.200 aparelhos. Segundo a Telefônica, há hoje 52 mil na capital --em 2011, eram 68 mil. O número supera os 40 mil orelhões da época da privatização da Telesp, no fim da década de 1990, mas deve seguir caindo.

    Em junho do ano passado, uma resolução da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) baixou a exigência mínima de aparelhos nas cidades brasileiras de seis para quatro a cada mil habitantes.

    Uma comparação com o número de celulares habilitados, um dos fatores para a redução dos telefones públicos, revela um abismo: em dezembro, havia 142,55 celulares para cada cem habitantes no Estado de São Paulo.

    A Telefônica, que diz seguir as normas da Anatel, não informou quantos orelhões restarão na cidade após o fim do prazo para as empresas se adaptarem, em julho deste ano. Afirmou, no entanto, que prioriza a retirada de orelhões duplos e triplos, além de aparelhos em lojas e supermercados.

    A INVENÇÃO

    Quando desenvolveu a ideia da cabine, em 1970, Chu Ming era funcionária da CTB. "Ela ficou sabendo que a empresa buscava uma solução para substituir as antigas cabines [cilíndricas, feitas de acrílico e fibra de vidro] e iniciou o projeto", conta o engenheiro Clovis Silveira, 66, viúvo de Ming.

    Em 1971, a peça foi testada em São Paulo. Um ano depois, os novos protetores feitos de fibra de vidro para os telefones públicos começavam a ser instalados no Rio, no dia 20 de janeiro, e na capital paulista, logo depois, no dia 25 do mesmo mês.

    "O que diferenciava o orelhão [das antigas cabines] era o aproveitamento do espaço, podendo ser instalado mais de um aparelho em um poste, além de ser de construção fácil e barata,pois usa pouco material", diz Clovis.

    Para Marcelo Silva Oliveira, 43, professor de design da Faculdade de Arquitetura do Mackenzie, onde Ming se formou, a criação marca uma das iniciativas do início de uma escola de design no Brasil. "O orelhão era muito diferente das nossas referências de telefones públicos, como a cabine inglesa", afirma ele. "A forma causava uma estranheza inicial, mas quebrava as linhas sempre retas da cidade."

    Na casa projetada pela arquiteta, onde a família morou até a década de 1990 e onde hoje fica o escritório de Clovis, no Morumbi, zona oeste, um pequeno acervo reúne as memórias de Chu Ming. Na antiga sala de trabalho dela, uma caixa guarda recortes de jornais, livros e informativos recolhidos por Clovis sobre a criação da mulher. O material, quase na íntegra, deu origem ao site www.orelhao.arq.br, desenvolvido em 2003 pelos filhos do casal, Djan Chu, 40, e Alan Chu, 36.

    A casa ainda funciona como uma espécie de museu --no jardim, é preservado um orelhão pintado de branco e sem o telefone dentro, que foi exposto pela chinesa na 1ª Bienal de Arquitetura da cidade, em 1973.

    Sobre o futuro incerto da peça, que dia após dia vai sumindo da cidade, Clovis ainda é otimista: "O orelhão faz parte da nossa paisagem. E conta com um serviço público dentro dele. Acho que ele vai permanecer e incorporar novas utilidades".

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