Vítima comum da exploração trabalhista na cidade, a população boliviana vive uma mudança de perfil, diz Jaime Valdívia Almanza, 51, cônsul-geral da Bolívia em São Paulo.
Seus ganhos mais que dobraram na última década. Além disso, muitos ocupam funções além da tecelagem e moram fora do centro. Há na capital 350 mil bolivianos (70% do país), entre legais e ilegais, segundo o consulado.
O trânsito de trabalhadores entre os dois países é livre --recebem visto temporário (e renovável) por dois anos até obterem o definitivo. Mesmo assim, diz Almanza, restam 100 mil ilegais na cidade, onde desde 2012 o governo libertou 91 pessoas em condições análogas ao trabalho escravo.
Médico pela Universidade Federal do Paraná, ele vive no Brasil há 35 anos, 15 deles em São Paulo. Assumiu o cargo em 2006 a convite do amigo Evo Morales, presidente da Bolívia.
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sãopaulo - Quantas oficinas ilegais de costura há na cidade e como combatê-las?
Jaime Valdívia Almanza - Não temos como precisar, mas falamos em milhares. É preciso facilitar o acesso a documentos e as ações contra o tráfico de pessoas. Também apoiamos a fiscalização contra maus empresários, desde grandes redes até bolivianos autônomos.
A ocupação profissional mudou?
Até a década de 1970, a migração boliviana era de estudantes que miravam o ensino superior. Fui um deles. A partir dos anos 1980, veio a mão de obra para a costura, que ainda emprega 80% do total. E, nos últimos anos, cresceu a demanda nas áreas de serviços gerais e de construção civil, graças à Copa.
Qual a razão dessa mudança?
Enquanto outros países criminalizam a imigração, aqui precisamos de profissionais. Uma empregada doméstica não ganha menos de R$ 1.200, e o brasileiro não quer mais certas funções. Como fica?
A renda acompanhou essa melhora?
Antes do acordo de 2006 [que facilitou a legalização de imigrantes], os bolivianos nunca recebiam mais de R$ 300 ao mês por 18 horas diárias. Agora eles ganham, em média, entre R$ 600 e R$ 1.200.
E quais os principais reflexos disso?
Conheço um empresário que veio clandestino há 15 anos e outro dia financiou uma casa de R$ 500 mil. Além da oficina, ele tem um restaurante. Hoje, os bolivianos investem na cidade.
Onde eles vivem hoje?
A maioria ainda está no Brás, na Mooca, no Pari e no Bom Retiro [regiões leste e central], mas há um movimento em direção a Guarulhos e a outros bairros da zona leste, como a Penha. Também vemos migração para o interior do Estado.
O que ainda atrapalha a adaptação?
Os imigrantes, em boa parte, são de cidades pequenas nos Andes e tradicionalmente introspectivos. Há também as barreiras usuais: língua, costumes. Mas os que cresceram aqui já absorveram a educação local. Em certas escolas públicas de ensino fundamental, há 80% de bolivianos. O desafio agora é a autonomia.