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    Espaços VIPs pipocam por SP, mas produtos e serviços às vezes nem são tão diferentes

    CHICO FELITTI
    DE SÃO PAULO

    19/05/2013 02h30

    A advogada Mariana Matiotta, 25, tomou um susto ao entrar no cinema há algumas semanas. Ela não tinha ido ver um filme de terror: a descarga de adrenalina correu ao se dar conta de que teria de se sentar numa cadeira comum, de apenas 70 centímetros --apesar de, na maioria dos cinemas, elas serem ainda menores, com 58 cm.

    Até então, ela imaginava que o ingresso ­--que comprara pela internet-- fosse o de uma das seis salas VIP do cinema do shopping Cidade Jardim. Lá, as poltronas de 110 cm são revestidas com couro italiano, têm sistema elétrico de reclinação, possuem abajur individual, apoio para os pés, mesa individual de vidro jateado e contam com um garçom servindo sushis e cervejas de até R$ 60. "Faz três anos que prefiro ir a salas VIP", diz ela.

    Mariana não está sozinha nessa predileção. O conceito de pessoa muito importante (ou VIP, na sigla em inglês) começou com os camarotes de casas noturnas, mas aflorou em São Paulo. Há na cidade pet shops, laboratórios, hospitais, restaurantes e academias oferecendo um atendimento geralmente mais caro para um público que gosta de se chamar de "diferenciado".

    Já o bancário Sergio Braz, 22, não costuma frequentar esses espaços. Mas é por falta de oferta: "Moro no Anália Franco [zona leste] e não tem nenhuma sala de cinema especial lá. Se tivesse, eu preferiria". Em breve, haverá. O sucesso renderá sequências para Kinoplex, Cinépolis e Cinemark. As três redes de cinema têm planos de expansão das salas diferenciadas para este ano.

    SERVIÇAL

    Segundo a secretaria estadual da Fazenda, o número de empresas com "VIP" no nome fantasia cresceu 42% nos últimos cinco anos. E, mesmo quando a sigla não está estampada no nome, ela entra no conceito.Como acontece na academia de ginástica Reebok do shopping Cidade Jardim (zona sul). Lá, há uma área de "Personal Training" com 600m², onde só entra aluno que tiver seu professor particular de ginástica (e pagar de R$ 100 a R$ 120 por hora do serviço). Entre as benesses do andar superior, uma vista para a marginal Pinheiros, frutas grátis e garrafas de água mineral com VIP escrito no rótulo.

    Um cliente que malhe três vezes por semana desembolsará mais de R$ 2.000 por mês. "Não é uma questão de poder aquisitivo. É poder ser você mesmo. Tenho particularidades de saúde e preciso de uma atenção diferenciada. Essa coisa de padronização não dá mais", diz a psicóloga Viviane Regino, 57, com sua "personal trainer", Monica Schapiro, 27.

    O piso de baixo, onde é cada um por si e alguns instrutores para todos, é o lugar da comerciante Luisa Altilio, 60. "Quem está lá em cima parece que tem um serviçal, uma coisa meio Idade Média. Não gosto e não me sinto à vontade. Vou evitar até quando puder", diz, enquanto anda na esteira e conversa com a decoradora Rose Alonso, 49, que chama de "personal amiga".

    SOFRIMENTO

    O jornalista e blogueiro da Folha Vitor Angelo, 45, já tinha diagnosticado os obcecados por diferenciação em 2006. No dicionário "Aurélia", constava o verbete "VIPtima", alguém que faz qualquer coisa para estar nesses espaços restritos. "O que era um comportamento de caricatura, agora se normalizou."

    A dermatologista Michele Maureen Haikal, 34, é um desses paulistanos que se acostumou aos mimos extras. Quando vai ao salão, é recebida um andar acima das demais cadeiras, onde fica sozinha com o cabeleireiro Júnior Alves. E com taças de seu suco de tomate predileto.

    "É bom esse serviço diferenciado. Cria uma relação com o cabeleireiro, quase de amigo, e você fica tranquila." Júnior diz que ser especial é pensar no freguês. E até sofrer por isso: "Passo noites acordado, estudando. Já fui a Paris só para comprar um óleo novo. Ser VIP é fazer melhor".

    Há quem discorde, como a antropóloga Ciméa Bevilaqua, da UFPR. "Importa menos se o produto tem alguma qualidade que faz dele melhor. É a possibilidade de se comunicar com grupos. O fato de você consumir A, B ou VIP tem de ser reconhecido pelo outro. É um mecanismo de diferenciação", analisa.

    Segundo ela, jamais chegará o momento em que todos teremos 15 minutos de muita importância. "Se todos têm acesso à sala VIP, não existe mais sala VIP. A sofisticação cresce."

    GUEIXA

    É por isso que mesmo estabelecimentos de luxo, como o restaurante japonês Kinoshita, galgam um degrau no requinte --e no preço. Enquanto a casa na Vila Nova Conceição (zona sul) oferece um menu degustação de nove pratos por R$ 330, clientes mais diferenciados podem agendar uma refeição num tatame privativo pelo dobro desse valor.

    A sala, com nome de uma marca de champanhe, serve pratos como robalo em seu próprio perfume, guarnecidos por guardanapos em linho bordado e almofadas de seda dourada. Os pratos são trazidos por uma garçonete fantasiada de gueixa.

    "A comida não é mais especial que os pratos normais da casa, mas é uma coisa bem diferenciada. É um champanhe que combina muito com o nosso tipo de arte", diz o chef Tsuyoshi Murakami. Como toda boa arte, essa também alcança valores de leilão: a refeição custa R$ 1.228 para dois, com direito a uma garrafa do espumante Krug Grande Cuvée.

    SANGUE AZUL

    Mas não é preciso ter champanhe na jogada para o luxo entrar. Até na hora de colher sangue alguns preferem mostrar que o corre nas suas veias é azul. Nos laboratórios Delboni Auriemo, clientes de alguns planos de saúde (ou que se disponham a pagar até 25% a mais por exames) ganham a chave de uma sala de luxo em 19 unidades do laboratório.

    Enquanto o paciente médio come bolachas de leite ou de água e sal, o da salinha tem direito a café da manhã completo, no estilo novela da Globo. Isso depois de parar o carro com um manobrista e trocar ideia em inglês com recepcionistas bilíngues.

    "O atendimento é personalizado e ágil, o tratamento é diferenciado e os benefícios, exclusivos como você", promete o site da empresa. O laboratório diz não se tratar de uma área VIP, mas usa o adjetivo "diferenciado" para descrever o serviço.

    Já no hospital 9 de Julho, na Bela Vista (centro), embarcou no conceito há três anos. Onze dos 310 quartos de lá têm prataria, roupa de cama "diferenciada" e TV interativa. "O plano é fazer com que todos cheguem a esse padrão. Vamos inaugurar em 2015 120 leitos. Todos com esse conceito", diz Tais Zago, coordenadora de Hotelaria do Hospital 9 de Julho.

    O hospital diz que não existe diferença de preço entre as duas categorias de quarto e que qualquer paciente pode se candidatar a ficar no melhor. E qual é o critério de escolha?

    "Pessoas importantes para nós. Que estejam expostas à mídia ou sejam relevantes para relações comerciais", diz Zago. Ou seja, VIPs.

    AU-AU

    "Ora, mas cachorro também é gente!", bradou em 1991 Rogério Magri, então ministro do Trabalho, ao levar seu cão para um congresso na Suíça. Ele tinha razão. A máxima ecoa dentro do pet shop Sunset Resort, na Vila Mariana, zona sul, onde o anagrama VIP ganhou um novo significado: "very important pet".

    Na creche canina, donos muito importantes podem pedir que seus bichanos não se misturem com os demais. Há uma sala VIP onde o cão espera sozinho enquanto aguarda pela natação ou corrida na esteira.

    Diferentemente dos outros estabelecimentos, a diária nas áreas de luxo e normal é igual: R$ 50. "O preço é o mesmo porque os cachorros que ficam na zona 'normal' têm de socializar, o que dá mais trabalho e exige mais atenção", diz a gerente Scynara Camargo. O espaço, inaugurado em janeiro, nunca foi usado até esta semana. "Mas é um nicho de mercado que vamos conquistar."

    Variações da palavra "diferenciado" aparecem neste texto 13 vezes. Quase todas elas como adjetivo para qualificar o serviço VIP. Mas, afinal de contas, o que querem dizer?

    "Diferenciado significa que estabelece uma diferença. Ou seja, que distingue você da média", diz a psicóloga Viviane Adon.

    "É mostrar que somos diferentes. Como usar uma joia de diamantes para ir ao cinema ou ao mercado." Mas a escolha tem seu preço: "Estar acima de todos, quem se pensa VIP, é estar absolutamente sozinho. O egoísta é triste".

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