- É uma pérola moderna!
- Bota ela no chão!
A casa mais controversa da cidade hoje, com sua arquitetura brutalista e seus quartos sem janela, desperta paixões violentas. É toda em concreto, inclusive camas, sofás e armários. A assinatura é de Ruy Ohtake, um dos grandes da arquitetura paulista.
Deveria a prefeitura decretá-la bem de valor histórico e arquitetônico, apesar de ela ter só 40 anos?
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O assunto foi colocado em pauta quando o novo proprietário, que há cerca de três anos comprou a residência do Jardim Lusitânia (zona sul), pediu autorização do município para demoli-la.
Quem vai decidir é o Conpresp, (conselho municipal do patrimônio histórico), que após saber do pedido de demolição, abriu em maio processo para estudar o tombamento da casa.
Para que tombá-la?, pergunta o comprador do imóvel, se ela é toda aberta para a rua, insegura? "Isso é coisa de arquiteto. O teto é tão baixo que dá pra trocar lâmpada só levantando o braço", diz o advogado Emerson Scapaticio, 36, que arrematou a residência com o único propósito de demoli-la para erguer lá a nova morada da família.
"Ela destoa do resto da rua, as casas são neoclássicas", diz o declaradamente infeliz proprietário. Ele afirma ter pago R$2,5 milhões e calcula que, sem a iminência de tombamento, a casa poderia valer hoje quase o dobro. "Vai destruir meu sonho".
Por que demoli-la?, pergunta a professora da FAU-USP, Mônica Junqueira de Camargo. "É uma casa que dá para morar muito bem, tem arte e contribui para o acervo de arquitetura paulistana. Se a pessoa quer uma casa neoclássica, porque não compra uma original, do Ramos de Azevedo?"
Para José Armênio de Brito Cruz, presidente do IAB-SP (Instituto dos Arquitetos do Brasil), instituição que premiou a casa de Ruy Ohtake em 1975, existe uma demanda grande para a arquitetura moderna paulistana, "que tem reconhecimento no mundo todo". Basta, afirma, que o imóvel seja vendido para o público certo, por meio de uma imobiliária especializada ou casa de leilão, como a Sotheby's.
VALOR DE ARTE
Mônica concorda: "As pessoas não entendem que a arquitetura, além de valor funcional, tem valor de arte. Você não compra uma pintura só para usar a tela".
"O Ruy [Ohtake] não construiu a casa como se fosse um bloco isolado. O jardim ora está dentro ora está fora dela. Há uma compreensão inteligente do terreno", diz Mônica Junqueira, que dá aulas de história da arquitetura moderna e contemporânea.
Ela diz crer que a casa possa ser adaptada para o estilo de vida atual, com remoção de alguns móveis de concreto. Mas mudar a disposição dos quartos de modo que tenham janela "alteraria o sentido da proposta".
"O brutalismo era isso, tentar resolver quase todo o programa da casa com o mínimo de materiais. As casas de pessoas ricas daquele momento, encomendadas ao Niemeyer, ao Paulo Mendes da Rocha, eram muito espartanas. E essa casa [de Ruy Ohtake] é parte de um momento em que se buscava a simplificação, a contenção, o mínimo necessário. Depois entrou uma cultura mais consumista", afirma a arquiteta.
Ruy Ohtake, que projetou a moradia sob encomenda, espera que ela não venha ao chão. "Não faltam janelas. O Paulo [Bittencourt, que encomendou o projeto] morou mais de 30 anos nela. Nunca falou disso. A ventilação do quarto é muito semelhante à que fiz na casa da Tomie [Ohtake, sua mãe]. É uma solução conhecida em propostas modernistas."
O arquiteto conta que o antigo proprietário, o engenheiro Paulo Bittencourt, o procurou para conversar sobre a venda da casa. "Veio ao escritório, muito constrangido, disse que ia vender, mas que gostaria que o comprador fosse uma pessoa que tivesse o mesmo entusiasmo pela casa. Falei: Paulo, tudo bem. Se você conseguir um novo comprador assim..."
O novo comprador não tem dúvidas de que a casa não serve para sua esposa e o bebê que chegará em breve. Mas o atual inquilino, o empresário Márcio Paschoal, 43, que há um ano e meio mora no local com seu filho, gostaria de ficar com ela, se o preço lhe parecesse razoável, embora também a considere mal distribuída e preferisse que os quartos tivessem janelas e uma melhor ventilação em geral.
"Eu acho que dentro ela poderia ser mudada. A sala tudo bem, mas os quartos e banheiros estão mal colocados. Mas externamente ela é deslumbrante. Amo casa de concreto".
Desde mora na casa, em várias ocasiões arquitetos e estudantes de arquitetura foram ao local fotografar o lugar, diz Márcio.
PREFEITURA
A presidente do Conpresp, Nadia Somekh, admite que não há consenso sobre a partir de que idade um imóvel pode ser tombado. "Há países na Europa que adotavam mínimo de 50 anos, mas estão revendo isso. O caso dessa casa é complexo porque ela está nesse limite".
"O atual proprietário não percebeu que a casa era uma pérola. Mas ela foi feita sob medida para o Paulo Bittencourt, não para o Emerson [o comprador], que quer um projeto Miami", diz Nadia.
Arquitetos da prefeitura vão estudar o imóvel e emitir um parecer sobre o tombamento. Com o estudo em mãos, os nove conselheiros do Conpresp (entre eles membros de secretarias da prefeitura, da Câmara Municipal e de entidades de classe, como a OAB) decidirão pelo voto se o imóvel deve ser tombado.