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    Artista nigeriano expõe quadros em salão de beleza na zona norte

    SIDNEY PEREIRA
    COLABORAÇÃO PARA FOLHA
    DE SÃO PAULO

    18/10/2015 02h00

    Um modesto salão de beleza no Jaçanã, zona norte, integrou-se ao circuito de arte paulistano. Ao lado de escovas, tesouras, xampus e esmaltes, o Espaço N Vintage exibe as pinturas em acrílico do nigeriano Chikezie Paul, 44.

    Há 20 anos no Brasil, ele decidiu concretizar o sonho de assumir a carreira de artista. Para isso, passou a contar com uma rede informal de "galerias de arte" para expor os seus quadros. Entre esses locais estão lojas, restaurantes e o salão da zona norte.

    Chikezie, cujo nome tem o significado tribal de "Deus me criou bem", começou a desenhar ainda menino, incentivado pelo pai.

    Felipe Gabriel/Projetor/Folhapress
    Artista nigeriano, Chikezie Paul, expõe suas pinturas em acrílico no salão de beleza "Espaço N Vintage"
    Artista nigeriano, Chikezie Paul, expõe suas pinturas em acrílico no salão de beleza "Espaço N Vintage"

    Mais tarde, formou-se em artes plásticas e foi contratado para trabalhar no ateliê de um pintor em Lagos. "Eu e outros colegas pintávamos e ele apenas assinava como autor. Recebíamos um salário mensal, mas nada pelas pinturas vendidas", afirma o nigeriano.

    Aos 21 anos, ele decidiu deixar o país africano. O pai, contratado como segurança particular, recebeu uma gorjeta alta, de US$ 100, e Chikezie, em um impulso, pediu o dinheiro e revelou a intenção de ir para a Europa. "Pensei em chegar ao Marrocos e, dali, à Espanha para começar uma nova vida."

    A viagem durou dois anos e tornou-se uma experiência frustrante, de noites maldormidas e pouca comida. Percorreu quatro países até chegar ao Mali, onde passou pelo deserto do Saara e foi parar na capital Bamaco.

    Sem dinheiro, viu um barbeiro atendendo pessoas na rua e resolveu tentar a atividade. Comprou tesoura, espelho e navalha e encarou o ofício, percorrendo o local com uma plaquinha pendurada no pescoço.

    Inexperiente, mas cobrando pouco, conquistava clientes. Às vezes, ao final do corte, era necessário esconder o espelho e não mostrar o resultado, que poderia decepcionar o dono do cabelo.

    Algumas confusões ocorreram. Insatisfeito e furioso, um dos clientes juntou um grupo de amigos para cobrar o desajeitado barbeiro.

    Chikezie acabou salvo por um colega de profissão que ouvira a gritaria e se ofereceu para "corrigir o desastre", acertando o corte de cabelo do freguês. "Eles queriam me linchar", conta, às gargalhadas.

    Apesar dos percalços, insistiu na profissão. Segundo ele, um dirigente da seleção nigeriana de futebol, em visita ao Mali, decidiu contratá-lo como barbeiro particular. "Foi fácil, pois ele era careca. Era só passar a navalha, sem chance de errar."

    Pouco depois, viajou para o Senegal e, por fim, voltou para a Nigéria. Lá, deixou de cortar cabelos e foi contratado como tripulante de um barco.

    Escalado para uma viagem ao Brasil, chegou ao porto de Santos, em 1995, e decidiu ficar. "Não quis mais voltar à Nigéria e desapareci do navio."

    Com algum dinheiro para se manter, regularizou a documentação e, graças à fluência no inglês, trabalhou como ajudante de cozinha em uma empresa britânica do porto. Conheceu a primeira mulher, Berenice, com quem teve um menino.

    A família mudou-se para a capital paulista. Em seguida, Chikezie ficou viúvo e passou a fazer "bicos"para cuidar do filho pequeno. "Com um bebê para criar sozinho, comprava leite fiado, implorando ajuda."

    Quando o filho completou seis anos de idade, ele começou a trabalhar na barraca de uma feira livre, onde conheceu a segunda mulher. Foi ajudante em uma multinacional, deu aulas de inglês e, por último, decidiu ser artista plástico.

    OBRAS

    As pinturas são negociadas, em média, por R$ 800. A de maior valor, diz Chikezie, alcançou R$ 2.000. É possível parcelar o valor ou pagar as obras com cheque, cartão de débito e crédito -ele diz nunca ter registrado um calote.

    O pintor revela já ter encontrado pessoas que compraram suas telas como investimento. "Elas esperam que eu morra para que as pinturas sejam valorizadas. Quero ser reconhecido bem antes", diz, com o bom humor de sempre.

    O artista cria quadros com cenas afro-brasileiras, utilizando materiais recicláveis para fazer as molduras e telas das obras, com uso intenso de cores fortes e alegres: "Passei fome na infância, mas expresso na arte a alegria de minhas raízes africanas e do país que escolhi para viver".

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