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    'É mais fácil tratar crianças no Iraque do que aqui', diz terapeuta social

    MARIANA AGUNZI
    DE SÃO PAULO

    13/03/2016 02h00

    Reinaldo Nascimento sabe bem o tipo de trauma que uma guerra, declarada ou não, pode causar. O educador físico e terapeuta social cresceu na favela Monte Azul, na zona sul de São Paulo, e é morador do Jardim Ângela —bairro que, em 1996, foi considerado o mais violento do mundo pela ONU.

    O que poderia ter sido o início de uma vida sem perspectivas virou o motivo de seu trabalho e luta diários. Assistido por uma associação comunitária quando ainda era criança, o rapaz morou alguns anos na Alemanha, onde se formou em terapia social e passou a integrar um grupo de pedagogia de emergência.

    Embasado pela pedagogia Waldorf, que procura integrar o desenvolvimento físico, intelectual e artístico dos alunos, o grupo atua em áreas de crise extrema, como a faixa de Gaza, o Haiti, o Nepal ou o Japão pós-tsunami. O mote é simples: levar brincadeiras, arte e música para crianças devastadas.

    Único voluntário brasileiro enviado para missões no exterior, ele tenta criar um grupo similar para atuar somente no Brasil.

    *

    sãopaulo - Em quais países você atuou?
    Reinaldo Nascimento - Minha primeira intervenção foi no Quênia, em 2012. Depois fui trabalhar com os refugiados no Líbano, segui para as Filipinas, fui três vezes para o Iraque e uma para o Nepal, após o terremoto [2015]. Ano passado, também fui para a França, após os atentados.

    O que é a pedagogia de emergência?
    Quando falamos de pedagogia de emergência, falamos de um trabalho que envolve tratar crianças que passaram por situações de risco muito pesadas, como um terremoto ou um tsunami, e que ficam traumatizadas. É preciso entender que o trauma tem quatro fases.

    Quais são?
    Na primeira, que dura de um a dois dias, as crianças ficam em estado de choque. A segunda é a de estresse pós-traumático e dura de quatro a oito semanas —é quando aparece a dor de estômago, a dor de cabeça. Se esses sintomas não são tratados, eles podem virar uma doença mais séria, o que caracteriza a terceira fase. E ainda existe uma quarta fase: o problema se tornou crônico e a pessoa fica destruída. Nós descobrimos que é possível agir pedagogicamente, na primeira e na segunda fase, com arte, música, pintura e educação física. Dissolvemos o baque que faz com que as crianças fiquem duras.

    Como esse trabalho é realizado?
    Tentamos fazer com que a vítima se fortaleça para não ficar doente. Uma criança que está triste, por exemplo, eu consigo cuidar pedagogicamente. Posso fazer atividades circenses ou que envolvam ritmo. Já uma criança depressiva precisa de tratamento médico. Por isso, a pedagogia de emergência tem que ser rápida, para evitar que o problema se torne crônico. Mas o que acaba acontecendo no Brasil: chegamos à periferia e o pessoal já está cansado, virou um problema crônico. Isso faz com que seja mais difícil trabalhar aqui.

    Por que é mais complicado?
    Porque aqui estamos tratando da quarta fase do trauma. Quando uma criança é abusada sexualmente, você não descobre no dia seguinte. Essas oito semanas em que podemos atuar já se passaram há muito tempo -viraram dois, três anos ou mais. E aí fica mais difícil, o educador já não pode tocar na criança porque ela tem medo do toque. As pessoas me falam: "Mas no Brasil não tem terremoto, não tem guerra". E a chacina que houve em Osasco? E o Jardim Ângela, que até pouco tempo atrás contabilizava mais de 50 mortos por fim de semana? E quanto à cracolândia, você acha que quem está lá ainda está na primeira ou na segunda fase? Infelizmente, é mais fácil trabalhar no Nepal ou no Iraque do que no Brasil.

    O que é feito de diferente no Brasil?
    Aqui, os grupos atuam muito com assistencialismo, levando água e comida, mas não é só desse tipo de apoio que as pessoas precisam.

    Pensam em formar uma equipe para atuar apenas no país?
    Há um grupo com sete pessoas, todas voluntárias de São Paulo. Temos um advogado cuidando da parte legal para criar uma Oscip (Organização da sociedade civil de interesse público). Há editais para projetos de educação e de esportes nos quais não podemos nos inscrever por não termos cadastro para trabalhar como pessoa jurídica. Infelizmente, aqui, tudo precisa ser provado no papel.

    Mas, por enquanto, não podem desenvolver nenhum trabalho?
    O que temos feito, e muito, é orientar e dar palestras a educadores nas periferias e nas comunidades da cidade. Também temos uma parceira com os agentes da Estratégia Saúde da Família, do Ministério da Saúde —eles vivenciam casos pesados, se deparam com crianças que são presas nas casas, mulheres amarradas nas camas. E sabemos que o trauma é contagioso.

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