Dois terços das ações judiciais contra o SUS no Estado de São Paulo para aquisição de remédios são iniciadas por pessoas com convênios médicos particulares ou que frequentam clínicas privadas.
É o que revela levantamento inédito da Secretaria de Estado da Saúde. O estudo mostra que 65% das prescrições na origem dos processos partem de médicos particulares.
No Fórum a Saúde do Brasil, da Folha, o ministro da Saúde, Arthur Chioro, disse que, embora as ações garantam aos cidadãos acesso a seus direitos, elas produzem enormes distorções. "Fazem tirar recursos da população mais pobre para beneficiar os que têm mais recursos."
Hoje a secretaria paulista atende a 39.150 demandas judiciais. Os pagamentos mais comuns se referem a medicamentos (3.397 itens), materiais (979) e nutrição (342). O gasto em 2013 foi de R$ 904,8 milhões, mais que o dobro do valor desembolsado em 2010.
São Paulo é exemplo claro de que a judicialização eleva as desigualdades na saúde. Segundo artigo da revista da Escola de Saúde Pública Harvard (EUA), as ações se concentram nas áreas ricas e em tratamentos de alto custo.
"É uma espécie de Robin Hood às avessas: tira dos mais pobres para dar a quem tem condições de pagar por um bom advogado", afirma o secretário estadual da Saúde de São Paulo, David Uip.
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Cirurgia endovascular em um paciente do SUS na Sala Híbrida do Hospital Israelita Albert Einstein de SP |
A judicialização também obriga o Estado a internar pacientes em situações discutíveis do ponto de vista médico. "E o que é mais sério: passando na frente de outros que aguardam há mais tempo, mais graves e com expectativa de melhores resultados."
Em São Paulo, algumas sentenças extrapolam o bom-senso: "Temos casos em que até a marca do medicamento é indicada, de remédios que ainda são experimentais e de insumos como xampu, pilha alcalina e sabonete íntimo".
Para o médico Álvaro Atallah, diretor do Centro Cochrane do Brasil, há interesses financeiros por trás dessas ações. "Por que ninguém processa o governo para dar cálcio às gestantes e prevenir a hipertensão? Porque cálcio não custa nada, não tem nenhum lobby por trás."
Ele afirma que municípios que criaram câmaras técnicas com profissionais de saúde, do Ministério Público e do Judiciário para a avaliação dessas ações, com base nas melhores evidências científicas, vêm conseguindo frear a avalanche de ações judiciais.
Lalo de Almeida/Folhapress | ||
Robô utilizado em uma cirurgia de câncer de próstata em um paciente no Hospital A.C. Camargo em SP |
OUTROS ESTADOS
A judicialização afeta hoje todo o país e aumenta ano a ano. Só entre 2009 e 2012 houve alta de 25% nas ações contra a União (de 10.486 para 13.051). Os gastos saltaram de R$ 95 milhões para R$ 355,8 milhões, segundo o governo.
Esse aumento levou o Ministério da Saúde a criar em 2011 uma norma para acelerar a incorporação de novos medicamentos e tecnologias.
Como resultado, em 2012 o SUS incluiu em sua lista 6 dos 18 remédios mais judicializados, entre eles trastuzumabe (para câncer de mama) e rituximabe (tratamento de artrite reumatoide).
Ainda assim, o número de ações continua subindo, afirma Fausto Pereira dos Santos, secretário-executivo do ministério. "A produção de novas tecnologias em saúde cresce muito rápido."
Além disso, muitas ações se referem a pedidos de remédios para uso "off-label" (fora das recomendações da bula) ou sem registro na Anvisa, diz ele. "Isso foge do processo de incorporação, porque temos de proteger usuários dos efeitos adversos."
Para a pesquisadora Lygia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a judicialização tem efeito ambíguo. Ela pressiona os planos de saúde e o SUS a expandirem as coberturas, mas também abre uma porta para que a indústria force a entrada de remédios e procedimentos -com ou sem efetividade comprovada.
Ela ressalva, contudo, que muitas demandas judiciais se referem a coberturas que deveriam ser garantidas pelo SUS ou pelos planos. "No Rio, muitos juízes lidam com casos muito graves, como solicitação de leitos de UTI."