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    Chá de cadeira no Mensalão: veja história da poltrona onde sentam os juízes

    JULIANA TOURRUCÔO
    DE SÃO PAULO

    28/10/2012 03h00

    Nunca antes na história deste país uma poltrona teve tanta notoriedade. Com estofado amarelo fazendo contraponto às vestes pretas dos ministros do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, a cadeira Ambassador Versão 2 está diariamente nas TVs, jornais e revistas.

    Entrou no cotidiano de pessoas que acompanham o julgamento da ação penal 470, o processo do mensalão.

    Apesar de toda essa exposição, a maioria desconhece que o autor é o arquiteto e designer Jorge Zalszupin, de 90 anos. Criada em uma primeira versão nos anos 1960, a poltrona era o destaque da L'Atelier –fábrica de móveis de Zalszupin aberta em 1959, em São Paulo. "Para o Supremo, fiz uma série especial do modelo, sob medida para o local."

    Nela, o design tem muita racionalidade. "Projetei o espaldar bem alto (71 cm) para transmitir sobriedade aos juízes que ali se sentassem." E, convenhamos, a poltrona impõe respeito. Mas a cor ele escolheu quase por acaso.

    Zalszupin lembra que, na época, havia no estoque da fábrica apenas três grandes lotes de couro: preto, verde-musgo e amarelo-ocre. "Cores escuras iriam deixar o ambiente do Supremo muito pesado", afirma.

    Dos 11 juízes, apenas Joaquim Barbosa, por causa de dores nas costas, usa uma cadeira diferente: uma Marelli CXO 205 anatômica, com suporte lombar ajustável. E alguns dos ministros aliviam a coluna colocando um almofadão em suas Ambassador.

    ESTÉTICA LIMPA

    Judeu polonês, Jerzy Zalszupin fugiu de seu país debaixo de bombardeios da Segunda Guerra para se refugiar na Romênia, onde se formou arquiteto. "Lá, aprendi o valor de uma estética limpa e objetiva", diz ele.

    Depois de trabalhar na França, desembarcou no cais do Rio de Janeiro, em 1949. Trazia na bagagem uma moto com placa de Paris, o diploma de arquitetura, a passagem de volta e uma edição especial da revista francesa "L'Architecture d'Aujourd'hui", aclamando a arquitetura brasileira.

    Zalszupin cruzou por dias as ruas do Rio com sua moto para conhecer as obras publicadas na revista. Quando estava prestes a usar o bilhete de volta, recebeu um convite para trabalhar em um escritório de arquitetura em São Paulo. Aceitou e partiu.

    Aprimorou o estilo e colaborou com uma série de projetos de moradia e prédios. Conseguiu a cidadania brasileira em 1953, o registro para assinar as plantas e seguiu carreira solo como Jorge (Jerzy só para os íntimos).

    E, a cada casa erguida, assumia a tarefa de criar também o mobiliário. Acabou pegando gosto pelo desenho de móveis e, assim, surgiu a marcenaria L'Atelier, em 1959. O negócio chegou a ter 200 funcionários e inúmeros pedidos de móveis, como a poltrona dinamarquesa (1960).

    Hoje, ela é um clássico vintage ao lado da cadeira cubo –essa já foi até destaque em uma ala do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Brasília. "E há outras mais. Boa parte dos móveis do Judiciário brasileiro leva a minha assinatura", diz.

    Em 1970, Zalszupin vendeu a L'Atelier ao Grupo Forsa, ficando responsável apenas pelo núcleo de criação da empresa. Nessa função, atendeu ao pedido das poltronas do STF, que iria passar por reforma. "Em 1976, foi planejada a ampliação do plenário", conta Marineli Moreira, responsável pela seção de arquitetura do Supremo.

    Ela e os outros funcionários da casa não sabiam quem havia criado os móveis até serem informados pela reportagem. "O mobiliário modernista em Brasília ainda é muito desconhecido", avalia ela.

    Mesmo à frente de grandes obras, a L'Atelier não resistiu à crise econômica dos anos 1980. Quando a fábrica fechou as portas, Zalszupin voltou para a prancheta e fez os projetos do Morumbi Shopping, de prédios na avenida Paulista e na marginal Pinheiros.

    Com as duas filhas criadas e a vida ganha, resolveu sair de cena da arquitetura brasileira. Deu um giro pela Europa com a mulher e morou um tempo em Paris.

    TREPADEIRA

    Depois de alguns anos, retornou a São Paulo e ficou quieto em sua casa. Até que a jornalista Ethel Leon, documentando o design brasileiro, o colocou em contato com a empresária Etel Carmona. Em 2004, Zalszupin ressurgia com a reedição de seus clássicos pela loja Etel Interiores.

    A bela repercussão do feito o animou a lançar um móvel inédito. Daí, em homenagem à filha Verônica, em 2010, fez uma nova cadeira e a brindou com seu nome. Aos novos estilos de morar, em áreas cada vez mais diminutas, Zalszupin também quis dar sua contribuição.

    Acaba de criar um móvel que batizou de de "trepadeira". Bem-humorado, explica: "Serve para dormir, sentar e trepar". Não necessariamente nessa ordem.

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