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    Criador do Lollapalooza, Perry Farrell revela seu lado família à Serafina

    ADRIANA KÜCHLER
    DE LOS ANGELES

    24/02/2013 03h00

    Perry Farrell, 53, cata os bonecos jogados no sofá da sala. Ex-rebelde e ex-adepto do amor livre, o líder da banda Jane's Addiction abre espaço em meio à bagunça dos filhos para que a conversa possa acontecer. É meio-dia. Ele veste calça jeans coladinha, camisa xadrez e está com cara de quem acordou faz tempo.

    Virou pai de família. E empresário de sucesso. De uma turnê de despedida (temporária) do Jane's em 1991, ele criou o Lollapalooza, um dos maiores festivais de rock do mundo e um dos raros multinacionais: sua festa se espalhou dos Estados Unidos para o Chile e o Brasil.

    Por aqui, a segunda edição do evento acontece em São Paulo, no fim de março, e traz 60 atrações, como Pearl Jam, The Killers e Black Keys. Duzentas mil pessoas devem passar pelo Jockey Club de São Paulo.

    Com a mulher, Etty, a dançarina dos shows de sua banda, e os filhos Hezron Wolfgang e Izzadore Bravo, o papai Perry se mudou há pouco para essa casa, na praia de Santa Mônica.

    Como o que importava era estar perto do mar, para surfar, ainda não teve tempo de decorar os ambientes. Mas a sala já ganhou cara de palco, com cortinas e tapete vermelhos. E é desse palco pessoal que ele sonha alto e se coloca numa espécie de posto de salvador da nação roqueira, inventa novas formas de entretenimento e tenta fazer as pazes com o Brasil (enquanto torce para que ninguém jogue tomates nele por aqui).

    *

    O Lollapalooza Brasil começou com polêmica, depois da desistência de Lobão [o artista cancelou sua participação por achar que as bandas estrangeiras estavam sendo privilegiadas].

    Esse tipo de discussão acontece em todos os festivais, mas com as portas fechadas. Lobão é uma figura importante no Brasil, mas o melhor seria que seu empresário lutasse por ele em conversas particulares para que não houvesse constrangimento para ninguém. Tenho as mesmas discussões quando toco. Como Lobão, também sou uma figura lendária e quero o melhor lugar no festival. Dei risada porque já passei por isso.

    Houve também um mal-entendido em relação a uma declaração sua [dada à Folha] de que os brasileiros não teriam educação musical. Você recebeu muitos ataques. Como se sentiu?

    Foi terrível. Estava animado e comecei a receber muitas mensagens de ódio. O que eu realmente disse foi que, junto com o Lollapalooza, queria tentar usar parte do dinheiro do festival para ajudar a educação musical em escolas públicas. Nos Estados Unidos, estão tirando as aulas de música dos currículos escolares. E eu estava pensando: "Que cara legal eu sou, talvez no Brasil também não haja educação musical nas escolas".

    Entenderam outra coisa.

    Por dois ou três dias, fui um cara triste. Achava que um país inteiro me odiava. E um país gigante! Que eu adoro e para onde quero levar música. Considerei fazer o festival, mas não aparecer. Me falaram que os brasileiros jogam tomates quando não gostam de uma pessoa [risos].

    Tomates nunca vi. Garrafas d'água talvez...

    Já me jogaram uma garrafa com areia num festival na Austrália. Me acertou bem na costela. Não sei se estavam bravos comigo. As pessoas às vezes ficam loucas...

    Tem medo de ter ficado com fama de arrogante?

    Tudo o que posso dizer é que amo o Brasil. Para que levaria um festival para um
    país se achasse que as pessoas não têm educação? Isso seria ruim para o meu negócio. Alguns lugares não são educados na música que a gente promove. E por isso a gente não faz festival nesses lugares.

    "Oiiii!" Etty chega em casa. De calça e blusa pretas e justas, cabelão preto escorrido, a dançarina nascida em Hong Kong rouba o foco do marido.

    - Você cortou o cabelo? Deixa eu ver... Tá lindo. -a voz de Perry fica subitamente mais aguda e, com algum esforço, ele volta para a entrevista.

    Como surgiu a ideia do Lollapalooza?

    Nos anos 1980, eu fazia parte da cena pós-punk aqui em Los Angeles. Esses grupos não eram convidados para tocar nos clubes. Os donos achavam que a gente causava problemas, destruía o bar. Então, começamos a promover nossos próprios shows. Aprendi muito cedo: faça sua própria festa, é bem mais divertido.

    É complicado para os músicos de hoje depender mais de shows e festivais do que da venda de discos?

    Os festivais viraram o ambiente seguro dos músicos. Eles precisam desse lugar protegido porque a indústria musical está doente, e os músicos não estão ganhando nada das gravadoras. Eles têm sido desrespeitados por causa da internet, porque as pessoas pirateiam as músicas e não pagam nada. Nesse cenário, o Lolla é um lugar em que podem receber uma grana, ser apreciados como merecem e ainda ganhar um novo público.

    Como foi mudar de rebelde para empresário? Rolou inveja?

    Sempre vão existir pessoas invejosas porque não tiveram a mesma ideia antes. Outros vão ficar felizes em participar. O Michael Stipe [vocalista do extinto R.E.M.] me disse uma vez que sempre teve inveja de mim. É muito legal alguém assumir isso. Mas não tenho certeza em que contexto ele estava falando porque a gente estava fazendo xixi. Talvez ele estivesse pensando em outra coisa [risos]...

    Como funciona a seleção das bandas?

    É tudo muito político. Não sei qual seria o equivalente no Brasil, mas aqui é como se fosse Washington. Tem os lobistas, que são os agentes dos músicos, e os políticos de verdade, que são os músicos. Os promotores do festival são os que falam pelo povo: fazemos nosso melhor para conseguir os artistas que o público quer. E depois você coordena os shows para balancear o orçamento. Já perdi US$ 1 milhão do meu bolso em um festival. Hoje, meus parceiros me deixam alerta e evitam que eu gaste demais.

    E o que está acontecendo com sua banda, Jane's Addiction?

    Estou fazendo músicas com e sem eles. Estamos criando um musical, um teatro de imersão. Vai ser diferente de tudo o que você já viu. Vamos criar um novo conceito para as pessoas experimentarem a vida noturna. Serão vários ambientes, como numa galeria de arte, com show, teatro, bar e restaurante. Estamos conversando com o produtor do "Sleep No More" [espetáculo de teatro interativo de sucesso em Nova York]. Acho que as pessoas estão entediadas. Tem que haver um novo ambiente, que te faça querer sair de casa à noite, e eu vou criá-lo.

    Você diz que abandonou o amor livre e abraçou a monogamia em nome de sua mulher, Etty...

    [- O que vocês estão falando sobre amor livre aí? - Etty grita ao fundo.]

    Sim, é como escolher bandas para o Lollapalooza. Você pode pegar uma [garota] especial que diz: "Se você sossegar, eu posso ser sua".
    Ou você pode ter um monte delas, que talvez não tenham tanto valor para você. Eu peguei a que achei que me faria mais feliz. Na vida, você tem que fazer escolhas. A gente se diverte muito. Escrevemos e cantamos juntos. Quer ouvir?

    Etty chama a atenção de Perry. "Temos que ir à escola dos meninos." O cantor leva um susto. "É verdade! Vamos fazer uma apresentação para a classe sobre a viagem que fizemos para Nova York e a Costa Rica. Inventamos isso porque eles tiveram que matar mais aulas do que o colégio gostaria."

    A apresentação não é musical, mas uma sequência de fotos de viagem no melhor estilo Power Point, que Perry insiste em mostrar.

    "Aqui, fomos ajudar as pessoas afetadas pelo furacão Sandy. Aqui, somos nós na Costa Rica..." Etty olha feio para o marido. Perry fecha o computador apressado.

    "Em resumo, é isso. Nos divertimos como família. Decidi virar um bom pai, bom marido. Conforme você envelhece, isso vem. Amo ser um pai e fazer essas coisas."

    Perry se despede. "Tchau! Tchau!", repete Etty, como quem diz que o show acabou. Perry, o rock'n'roll star e empresário, agora na versão marido e papai, tem mais o que fazer.

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