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    Estilista que criou a Colcci ao acaso volta ao mercado com marca infantil

    CHICO FELITTI
    DE SÃO PAULO

    30/03/2014 02h30

    O atendente do Starbucks entrega o mocaccino para a loira de 1,80m e pinta de modelo. No copo de Lila Colzani está escrito Nina. Pudera: a estilista foi um dos principais nomes da moda brasileira nas duas últimas décadas, junto com outros cujos nomes difíceis soam familiares, tipo Alexandre Herchcovitch e Fause Haten. Só que não costuma ser reconhecida como pessoa física. Mas vamos tentar pela pessoa jurídica que criou. Colcci, conhece?

    Lila pega seu café de nome errado e se senta numa mesa, depois de comentar que está "obcecada" por um liquidificador com potência suficiente para bater cenouras e beterrabas cruas. É esta sua maior aflição atual, junto com criar um menino de seis anos e seis chihuahuas ("Uma plantação deles!") num apartamento nos Jardins. Até porque ela se afastou da marca há oito anos e trabalha para si mesma, por mais que tenha planos de voltar a ser uma grife em breve.   

    Antes de falar do futuro, vale explicar como uma catarinense com ensino médio completo acabou entrando na passarela com Gisele Bündchen —e sendo chamada pelo "New York Times" de "a possível irmã" da modelo número um do mundo. Tudo começou com uma menina de ascendência alemã que, ao contrário dos irmãos médicos e advogados, não se encontrou na universidade.  

    Meses depois de começar uma faculdade de design, ela desistiu e tornou à casa dos pais, em Brusque. Aprendeu a costurar com a mãe e uma tia e, aos 20 anos, abriu uma confecção. O pai, que tinha uma farmácia, cedeu uma sala ao lado do estabelecimento. 

    Diz-se no mundo da moda que ela fundou a marca depois de ganhar um grande prêmio na loteria. O fato confere. Em partes. "Deu a quadra e era um valor mínimo, não lembro quanto. Dividimos o prêmio em três, eu, minha irmã e minha mãe. Minha irmã comprou uma corrente de ouro e eu comprei uma máquina de costura usada, para você ter uma noção do dinheiro que era..." O equipamento de costurar foi para a casa da tia.

    E, daí, surgiu a marca, que foi batizada  como uma equação matemática. Juntou Luciana, seu nome de batismo, com Colzani, sobrenome do então marido. "Separei todas as sílabas do meu nome e do dele." Gostou da mistura de Col, de Colzani, e 'ci', de LuCIana. "E pus mais um cê para ficar italianinho."

    FAÇO FASHION

    No começo, Lila topava tudo, inclusive encomendas feitas por fora. "Aceitava pedidos de enxoval e vestidos para grávidas, ainda que eu quisesse fazer modona fashion", diz ela, que trabalhava "umas 16 horas" por dia. "Eu não queria fazer o básico com a marca, jeans e camiseta. A Colcci tinha que fazer 'fashion'."

    Eudes de Santana
    Lila Colzani, que criou a Colcci ao acaso, volta ao mercado com marca infantil
    Lila Colzani, que criou a Colcci ao acaso, volta ao mercado com marca infantil

    E fez "fashion" até desenhar um cocker spaniel, o Digby, para a irmã usar na decoração da parede. Amigos  gostaram tanto do quadrinho que ele virou estampa de camiseta. "Chegou na loja e vendeu tudo. Opa, fiz mais. E mais. E mais. E virou uma loucura. Eu inventei de fazer essa estampa na camiseta e virei escrava dela. Mas dava dinheiro, então tava lindo." O bichinho engraçado, que muita gente até hoje não sabe que era um cachorro, virou a cara da marca nos anos 1990. 

    Começou então a abrir franquias. Chegou a ter 200, contra três lojas próprias. "Não tinha plano de negócio. As pessoas iam passar férias lá no Sul  e me propunham abrir filiais em outro lugar." No fim da década de 1990, colocou algumas regras para as butiques de terceiros, enxugou o número de lojas e retomou a pegada de moda da marca. "Todo mundo estava fazendo camiseta e jeans. Ou a gente mudava, ou não conseguiria competir."  

    Com ou sem mudança, não conseguiram. A Colcci pediu concordata duas vezes perto dos anos 2000. Na virada do milênio, Lila a vendeu para o grupo AMC, que hoje também possui marcas como Triton, Forum e Sommer. "Não foi um negócio da China. Se fosse hoje...", diz, balançando a cabeleira loira.
     
    SEM TEMPORADA, SEM CONCEITO

    "Foi o dia mais difícil da minha vida. Era como se alguém tivesse morrido." Pelo contrato, Lila ficaria na empresa, prestando consultoria. Demitiram a tia modelista que trabalhava com ela desde o começo. Mas a estilista seguiu sendo o "Ci" da marca. Desenhava as roupas que Gisele Bündchen desfilava na passarela ("Era uma loucura. Tinha que ter muitas das peças que ela usava em estoque, fazia fila") e, ao fim do desfile, entrava de mãos dadas com a modelo. 

    Em 2006, decidiu cortar o cordão umbilical. Recém-divorciada, saiu da marca e partiu para São Paulo. Desde então, ela vende seus préstimos por encomenda. Hoje, faz peças para marcas de moda praia. Dá pitacos em camisaria. Faz pequenas coleções para jovens. "Tem época em que trabalho como louca e tem época em que não." Desenhou também para a Pakalolo, outro clássico dos anos 1990.

    Concebe ainda as peças da Sumemo, marca do universo do skate que ganhou clientes como Neymar e Narcisa Tamborindeguy por conta das boas relações de seu criador, Alex Poisé, skatista e brother do chef Alex Atala, do povo da moda e de socialites."É uma delícia, porque não tem temporada nem conceito. Ultimamente, eu enchi o saco da moda." O que a irrita são os "conceitos" e os grandes textos explicando as coleções. "Até pensei em fazer faculdade. Mas para quê? Para brincar de aprender aquilo que eu já tinha aprendido na prática, dando duro?" 

    Na São Paulo Fashion Week, pode ser vista assistindo aos desfiles da marca que criou, como convidada. "É tudo ok, me desapeguei." Hoje, participa desse mundo o mínimo possível. Define-se como "a louca da internet" na hora de se vestir. "Comprei uma saia num site de um brechó australiano, linda." 

    Lila Colzani começou a fazer análise há alguns meses para se entender. "Eu sempre fui de fazer muito e pensar muito pouco sobre o que estava fazendo." Não que o futuro seja mais de contemplação do que de ação: ela planeja para já uma marca de roupas infantis. "Eu tenho um filho de seis anos que só usa Zara. É tudo muito lúdico ou cafona, não tem uma roupa legal. É um projeto de vida meu. Se bem que eu nunca tive muito projeto."

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